Há um costume das celebridades de zerarem a vida no Instagram. Todas as publicações anteriores à fama são apagadas, o histórico do feed desaparece, como se fosse um triunfal renascimento.
A revelação mineira Marina Sena, após o sucesso do seu primeiro álbum solo De Primeira, com o qual venceu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e três categorias do Multishow, assinou contrato com a poderosa Sony. Como estratégia de lançamento do próximo disco, houve um blecaute digital. A impressão é que a artista surgiu hoje no Instagram.
Se você tentar procurar o passado dos primeiros shows, das entrevistas, dos singles, das dancinhas, das peripécias com o público, não vai encontrar mais nada.
O que supõe um deslumbramento com uma inédita etapa da carreira e a realização de um sonho aos 26 anos também sugere ingratidão com a Via Crucis até o estrelato de uma menina simples de Taiobeiras, norte de Minas, apoiada incondicionalmente pela mãe, de uma cantora que criou empatia contando os seus romances ingênuos do interior, marcados pela idealização de novela.
A amnésia programada retira o valor de exemplo e testemunho de uma trajetória para as novas gerações. Apaga a herança inspiradora de como ela chegou aonde chegou, quais os alicerces do seu êxito e do seu carisma. É mais do que uma mera curiosidade que seu maior hit Por Supuesto quase esteve de fora do primeiro álbum, por se tratar de uma composição de sua adolescência. Sua inclusão correspondeu a uma aceitação de sua forma de pensar mais pura da meninice.
É tão importante o registro histórico do percurso de Marina Sena, até porque ela superou traumas e desvalias com a própria voz, considerada estranha e imprópria para os padrões de excelência vocal, pelo timbre agudo e anasalado.
Foi ouvindo as ladainhas das “lavadeiras do Jequitinhonha”, guardiãs de antigas canções do nordeste de Minas Gerais, que ela adquiriu confiança para se projetar aos palcos. Ela se deu conta de que era uma mulher do sertão de Guimarães Rosa. Expressava-se para dentro, por dentro, lavando as nódoas das roupas e das lembranças.
Não ter mais acesso às postagens antigas de suas redes sociais faz com que essa adorável biografia não exista para os próximos fãs que venha a conquistar.
Quando o melhor é tudo o que ela teve que vencer, pela sua personalidade extravagante e sua confiança na dança, sem concessões, sem aderir a uma pasteurização de fórmula de espetáculo, para alcançar o primeiro degrau da música pop brasileira.
Uma das cenas mais arrepiantes de sua caminhada aconteceu nas vésperas do Prêmio Multishow 2021. Entusiastas de sua pequena cidade de 34 mil habitantes contrataram um carro de som para passar nas ruas pedindo aos moradores que votassem na Marina na categoria de voto popular, a Experimente.
Não podemos esquecer nossas origens para não obscurecermos o nosso destino. Nossas raízes são nossas asas.