Quando estudante, fui comprar um terno para ir ao casamento de um amigo. Fazia meu batismo na garoa de São Paulo. Ele iria casar lá, terra da noiva. Lembro que fiquei tonto dentro do shopping. Eu me enxergava poderoso pisando na capital paulista, pela primeira vez viajando sozinho, capaz de tudo, com um futuro pela frente.
Entrei numa loja mais tradicional.
Atraiu a minha curiosidade um terno lindo, preto, com costura nas mangas, exposto na vitrine, destaque de lançamento de inverno. Estranhamente, não havia tabuleta com o valor.
A vendedora me recebeu com um sorriso gigante e me ofereceu café. Aceitei. A loja se encontrava vazia, no fim de seu expediente.
Café de graça já anunciava sorte em minha noite.
Transcorridas três décadas, o terno continua me esperando no balcão das reservas, com as minhas medidas marcadas na calça.
Perguntei o preço do terno.
Ela me soletrou:
— R$ 4 8 9 6 5.
Vibrei. Eu poderia pagar R$ 489,65, valor compatível com as minhas expectativas.
Experimentei a peça no provador e o terno entrou em meu corpo como se a minha pele nascesse dele.
Falei, de bate-pronto:
— Vou levar!
A atendente arrumou a barra com alfinetes, dancei passinhos de Travolta com o novo visual, combinei a retirada na próxima tarde e me dirigi ao guichê de pagamento.
Para não cometer nenhuma gafe, ainda confirmei o preço.
A vendedora repetiu a entonação pausada:
— R$ 4 8 9 6 5...
Ela perguntou se queria parcelar. Disse que não. Levaria à vista. Notei que existiu um espanto da equipe de funcionários com a minha resposta.
Ganhei incentivo da vendedora:
— Não vai se arrepender, Ermenegildo Zegna é para toda a vida!
Eu não tinha ideia de quem tinha sido Ermenegildo Zegna.
Na hora de passar o cartão, o banco não autorizou. Reforcei que havia saldo. A caixa explicou que as financiadoras não aprovavam compras em shoppings após as 22h, para evitar sequestros.
Ela tentou dividir o valor em dois cartões. Não deu também. Achei que fosse mesmo uma proteção do sistema bancário.
Na confusão do pagamento, saí por alguns instantes do transe da ingenuidade e enxerguei a verdade cósmica dos números no visor da máquina.
Constava como valor da compra a quantia de R$ 48.965.
Diante da fortuna inacessível, aquele terno não deveria ser usado no matrimônio do colega da faculdade, mas em meu enterro. Custava os olhos da cara. Correspondia a uma roupa para a minha imortalidade.
Quando descobri o engano, não encontrei coragem de contar a verdade e menti para a vendedora que voltaria no dia seguinte, assim que o sistema eletrônico se restabelecesse.
Transcorridas três décadas, o terno continua me esperando no balcão das reservas, com as minhas medidas marcadas na calça.
Até hoje, não chegou o momento de me despedir.
Só depois, devidamente assustado, pesquisei sobre a fama de Ermenegildo Zegna, pai dos ternos da Itália, frequentador do tapete vermelho do Oscar, Dom Corleone do tecido, mentor de Dolce & Gabbana e Armani, Stradivari das golas.
Tenha cuidado com a soletração. Ela não inclui a vírgula dos centavos.