
Marco legal que colocou o Brasil na vanguarda da proteção aos direitos infantojuvenis a partir de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa de correções prestes a completar 35 anos de sua promulgação. Não dá para aceitar que, em muitos casos, esse elogiado conjunto de normas seja usado para proteger jovens responsáveis por crimes hediondos.
No exemplo mais recente dessa deturpação, um rapaz de 17 anos matou um policial civil durante operação para cumprimento de mandado de busca e apreensão em Butiá, na Região Carbonífera, em janeiro desse ano. O alvo dos agentes era uma mulher de 26 anos investigada por tráfico de drogas, mas eles foram recebidos a tiros pelo adolescente.
Mesmo com colete à prova de balas, o escrivão Daniel Abreu Mendes, 40 anos, levou dois tiros e morreu na frente dos colegas. Apesar da gravidade do ocorrido, o atirador ficará apenas três anos internado em instituição socioeducativa. Por ser menor de idade, foi julgado com base no ECA, escapando de uma punição mais severa.
A intenção do estatuto é proteger indivíduos em desenvolvimento, partindo do princípio de que são inimputáveis antes dos 18 anos. A presunção é de que não possuem discernimento suficiente para compreender a gravidade dos fatos. Por isso, seus delitos são tratados como atos infracionais, não como crimes.
A questão central reside na necessidade de repensar os limites da inimputabilidade. É ingênuo acreditar que alguém com 17 anos de idade desconheça o alcance de suas atitudes. É hipocrisia aceitar que um "homem feito", na linguagem popular, ignore que não se pode tirar a vida alheia. Ele sabe o que está fazendo. É plenamente capaz de distinguir entre o certo e o errado.
Não se trata de defender a redução irrestrita da maioridade penal, uma medida controversa e complexa que divide opiniões. Mas é urgente encontrar um ponto de equilíbrio, uma faixa intermediária para punir com mais rigor os crimes graves.
A sociedade precisa de um debate que vá além das ideologias e abrace a realidade. Temos que buscar soluções que garantam a proteção de todos, cobrando mais responsabilidade inclusive daqueles que, mesmo jovens, enveredam pelo caminho da criminalidade. Uma lei idealizada para proteger crianças e adolescentes está fora de lugar quando serve de escudo para quem mata. O que está em jogo não apenas o ECA, mas a própria noção de justiça.