
A combinação de chuvas irregulares e temperaturas escaldantes deverá seguir provocando impactos significativos no agronegócio pelas próximas semanas no Estado. Embora ainda não seja possível estimar com precisão o tamanho do estrago no campo, a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) projeta que haverá "grandes perdas" envolvendo sobretudo a soja — principal cultura regional — e a pecuária de corte e de leite.
Na avaliação do 8º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), embora os meses de março e abril possam trazer algum alívio em comparação ao cenário atual, somente em maio deverá haver uma reversão mais significativa da aridez verificada sobretudo em regiões da faixa oeste. Até esta terça-feira (4), a Defesa Civil contabilizava 200 municípios afetados pela estiagem — 40% das cidades gaúchas —, dos quais 197 decretaram situação de emergência e outros três apenas relataram danos.
O impacto sobre a produção agrícola e pecuária é considerado preocupante pelo economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
— Serão perdas muito grandes, muito significativas. Em dezenas de municípios, sequer haverá o que colher, pois a perda é total. A cultura mais prejudicada será a soja, que é a principal — analisa o economista.
O especialista explica que ainda não é possível calcular uma cifra global de prejuízo às plantações ou às criações de animais porque a situação ainda pode mudar consideravelmente. A entidade espera contar com um mapeamento mais confiável do impacto do clima entre o final de março e o começo de abril.
Para se ter uma ideia da dimensão dos prejuízos que o clima desfavorável pode causar, um estudo da Farsul estima que as estiagens registradas entre 2020 e o ano passado deixaram um prejuízo de R$ 106,5 bilhões somente nas culturas de arroz, milho, soja e trigo — média de R$ 21 bilhões ao ano.
As regiões mais castigadas até agora, de acordo com a Farsul, são Missões, Centro e Fronteira Oeste, embora existam relatos de algum tipo de dano em praticamente todo o Estado.
— A pecuária, tanto de corte quanto de leite, também vai registrar perdas. Mas, como são culturas de ciclo longo, precisamos de mais tempo para mensurar o tamanho. O milho, que é (colhido) mais cedo, e o arroz, que é irrigado, foram bem — complementa Antônio da Luz.
Apesar da dificuldade em antecipar o tamanho da quebra na safra, o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), Ireneu Orth, avalia que mais de um terço da produção será perdida.
— A estimativa final só teremos após o término da colheita, mas vai ser grande. Em geral, achamos que teremos de 35% a 40% de quebra. Haverá lugares com 100% de perda e outros com muito pouca quebra, porque a chuva foi muito localizada — avalia Orth.
A Emater-RS vai divulgar um balanço da situação atual dia 11 de março, durante a Expodireto, feira do agronegócio que acontece em Não-Me-Toque.
Calor deve prosseguir nas próximas semanas
Coordenador do 8º Distrito de Meteorologia do Inmet, em Porto Alegre, Marcelo Schneider afirma que os registros de estiagem em solo gaúcho são explicados não somente pelo nível de precipitação, mas pelas temperaturas elevadas, agravadas por sucessivas ondas de calor.
— O problema é que o calor está sendo muito intenso, o que provoca uma evaporação alta. Isso acelera a perda de água do solo. Em dezembro, por exemplo, choveu em boa parte do Estado, mas depois tivemos chuvas irregulares e essa temperatura muito elevada — analisa Schneider.
As projeções atuais indicam a possibilidade de algum alívio em março e abril, mas ainda sem previsão de uma reversão completa do cenário atual. A perspectiva mais consistente, até o momento, é de uma guinada mais perceptível nas condições do tempo a partir de maio.
— Em abril podemos ter um repique de tempo mais seco e com temperaturas ainda elevadas. Em maio, temos essa maior probabilidade de reversão, com temperatura talvez um pouco abaixo do normal, e precipitação talvez um pouco acima da média. Até lá, pode haver alguma melhora, mas a situação permanecerá de alerta — resume o meteorologista.
Em nota, o governo gaúcho sustenta que "está empenhado na construção de políticas públicas para mitigar os efeitos das secas e estiagens, com ações estruturantes voltadas ao desenvolvimento socioeconômico e à qualidade de vida dos gaúchos. Para isso, uma série de medidas foram e estão sendo executadas dentro do Supera Estiagem".
Entre os destaques, a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) tem iniciativas como a construção de açudes, a instalação de cisternas, a perfuração de poços e a subvenção para projetos de irrigação."
O que o governo do RS tem feito
O Piratini sustenta que está tomando medidas para tentar reduzir o impacto da estiagem. Veja algumas ações de diferentes pastas:
Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação
Edital aberto para receber de projetos de irrigação. O produtor rural recebe um benefício de 20% do valor do projeto, limitado a R$ 100 mil por beneficiário. Na primeira fase do programa, que premiava o produtor com 20% do valor de projetos limitados a R$ 15 mil, foram aprovadas 264 ações contemplando 880 hectares irrigados. Na fase atual, já foram recebidos 437 projetos com potencial de R$ 21,6 milhões em subvenção e R$ 172 milhões em investimento pelos produtores.
Secretaria de Desenvolvimento Rural
O Programa de Sementes e Mudas Forrageiras busca fomentar a aquisição de sementes e mudas de espécies forrageiras, anuais e perenes, de inverno e verão, com a intenção de aumentar a eficiência no uso do solo, a infiltração de água e a conservação dos recursos naturais. Diante do agravamento da estiagem em janeiro, o governo reabriu o prazo de adesão, encerrado em 24 de fevereiro, atendendo a solicitações dos produtores que não haviam aderido anteriormente.
Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura
A Resolução 512/2024 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) atualizou procedimentos de licenciamento ambiental para empreendimentos de irrigação. A nova normativa, aprovada em agosto, "otimiza os processos de licenciamento, oferecendo maior segurança jurídica e ambiental", segundo a Sema.
O Programa Revitalização de Bacias Hidrográficas prevê, em um primeiro momento, ações nos rios do Sinos e Gravataí. O Conselho de Recursos Hídricos (CRH) contratou uma empresa para apoiar os 25 Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs) do Estado na gestão local da água.
Além disso, foram destinados recursos do Fundo de Investimentos em Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul (FRH-RS) para financiar ações de reservação hídrica como obras da barragem Taquarembó, para a qual foi contratado um consórcio para concluir as obras remanescentes, e recursos para a conclusão da barragem Jaguari.
Defesa Civil
A Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil informa que "está sendo conduzida a elaboração de uma ata de preços para a contratação do serviço de entrega de água aos municípios afetados, por empresa terceirizada, licitando possíveis fornecedores desse insumo para o atendimento dos municípios em Situação de Emergência e/ou Estado de Calamidade Pública."
Também está em andamento a aquisição de quatro caminhões-cisterna. Também estão sendo adquiridos 50 reservatórios flexíveis de água para empréstimo às comunidades afetadas.
Desde 2024, foram instaladas 44 cisternas comunitárias de um total previsto de 77 cisternas ao final de um projeto em parceria com a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.