No sentir da primeira baforada de vento, o produtor Renato Freitas, 69 anos, já sabe que o dia será quente. As jornadas tórridas na propriedade viraram uma constante nos últimos anos e, mais uma vez, castigam a terra e o que se pretendia colher dela na safra de verão.
Espraiada nos limites entre Santa Maria e Dilermando de Aguiar, na região central do Estado, a Granja Colorada é mais uma das que já anotam danos na produção agropecuária desde que a chuva se tornou escassa, ainda no começo de dezembro. Uma combinação de muitas horas de sol, altas temperaturas e vento no fim do dia se junta ao passado de perdas e contribui para o temor dos agricultores.
— Tu vê a situação que a lavoura se encontra... É desesperador. Áreas que já mostram perda total. A planta totalmente morta. Tem locais que não vamos colher nada — relata Freitas, lembrando a última chuva volumosa em 18 de dezembro.
São 584 hectares dedicados ao plantio de soja na propriedade. Outra área abriga a pecuária de corte, totalizando 1,2 mil hectares de área produtiva. Nos grãos, o agricultor já estima perda de 50% na safra atual. Em áreas “nobres” da lavoura, onde se chegou colher 90 sacas por hectare em anos de safra cheia, o produtor espera tirar no máximo 35 sacas este ano, dado o nível dos estragos.
— Em todo o tempo que eu planto soja, há mais de 50 anos, nunca tínhamos visto isso de quatro, cinco anos consecutivos de prejuízos na lavoura— diz Freitas.
Este ano temos uma situação nova, que é a queimadura, escaldando a planta devido ao calor. A gente olha a lavoura com um estande de plantas excelente, mas morrendo pelo meio. As bordas das lavouras, onde tem um pouquinho mais de umidade, ainda conseguem sobreviver, mas o prejuízo instalado é irreversível.
RENATO FREITAS
Produtor rural na Região Central
Vivendo de extremos, a plantação do agricultor já havia sofrido com a situação contrária, de excesso de água. A enchente do ano passado, que começou pela região Central, alagou a lavoura e levou com ela a safra e a terra. Os impactos são visíveis até hoje, com grandes vincos de erosão, mesmo após investimentos de correção do solo.
Cenário configura estiagem, mas não é uniforme, aponta Emater
O diagnóstico sobre o decorrer da safra da temporada, a mais relevante para a produção agrícola no Rio Grande do Sul, exige cautela. Ainda que seja cedo para se falar em quebra, já se sabe que há perdas consideráveis no Estado. A projeção no início do ciclo previa 35 milhões de toneladas colhidas em 2024/2025. A depender do volume de chuva que vier, já reduzido pelos sinais de La Niña, a safra pode ser menor.
Segundo a Emater, a escassez hídrica atinge de forma mais sensível as regiões Central e as Missões. Quanto mais à Oeste, maiores os relatos de perdas entre os agricultores. Mas mesmo nas áreas afetadas, o cenário é de um grande mosaico, descreve o assistente de culturas da Emater, Alencar Rugeri.
O motivo é a forma “desparelha” com que a seca atinge as lavouras. Enquanto áreas apresentam desenvolvimento satisfatório das plantas, outras têm pés mortos ou queimados pelo sol. Principal grão da estação, a soja é a mais afetada, mas há problemas também no milho ainda não colhido, nas pastagens, nas hortaliças e na pecuária.
Diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera observa que o momento é de alerta. A falta de chuva atinge a etapa mais sensível do desenvolvimento das lavouras, que é a floração e o enchimento de grãos. No último levantamento semanal da Emater, 49% das plantações de soja estavam nesses estágios. O material já cita que a redução nas precipitações configura um cenário de estiagem. Mas não de maneira uniforme. Nas regiões mais ao Leste, as lavouras se aproximam das condições normais.
— O quanto que não será cumprido (da estimativa de safra) é o que ainda exige prudência. Mas acentuou o dano. Isso amplifica o mapa de perdas, que tende a se agravar se não chover pelos próximos dias — diz o diretor técnico.
O alento da irrigação
Em bolsões do mapa onde não chove, há alento da água que chega de outras maneiras. Em Pinhal Grande, também na Região Central e distante cerca de 330km de Porto Alegre, a fotografia da safra vai dos extremos numa mesma lavoura.
Na produção de Belmiro Facco, 65 anos, as plantas padecem de sede em quase a totalidade dos 250 hectares de soja cultivados. A porção que se salva é onde alcança a irrigação.
Instalada como novidade na safra atual, a tecnologia já mostra resultados. O implemento tem capacidade para irrigar 22 hectares no entorno do pivô fixo. As plantas crescem verdes e vistosas na área gotejada, alcançando quase o dobro do tamanho dos pés onde a água não chega.
O aparato teve custo de R$ 700 mil, somente em infraestrutura. Outros encargos, como a locação de gerador para alimentar o equipamento, já que falta rede elétrica naquele trecho, tornam a irrigação ainda mais cara. O investimento, no entanto, é o que está salvando a lavoura.
A gente nota uma diferença muito grande onde coloca água. Se vê de longe. Então, futuramente, se paga. Na área boa, a planta está com o tamanho esperado. Em outras, onde não irriga, as plantas estão bem menores.
BELMIRO FACCO
Produtor rural em Pinhal Grande
Faco já calcula perda de 60% na área de sequeiro. São cerca de 220 hectares.
— É um momento muito oportuno para se falar e tratar do tema. A irrigação é o seguro da lavoura — reforça o diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera.
Danos por toda parte
Os problemas se multiplicam em direção à Fronteira Oeste, inclusive em termos de atividades afetadas. Na região das Missões, uma das mais impactadas, a falta de chuva deixa danos nos hortigranjeiros e até na pecuária de corte.
Na propriedade de José Juliano Zounar Rodrigues, em São Luiz Gonzaga, o agricultor precisou reduzir a área plantada devido à pouca disponibilidade de água para irrigar, já que o nível do açude está baixando rapidamente. As estufas de tomates estão vazias, e nos canteiros onde cultiva hortaliças, a área é aproveitada para somente uma colheita.
É uma área que gastamos para fazer cobertura de solo, para preparar, e quando chegou a hora de plantar não teve mais o que fazer. São quase 40 dias sem chover. Diminuímos 50% a área plantada e a área que plantamos reduziu a produtividade.
JOSÉ JULIANO ZOUNAR RODRIGUES
Produtor de São Luiz Gonzaga
Os problemas se repetem na pecuária. Com o pasto nativo seco, os animais ficam sem alimento no campo. O resultado imediato é a perda de peso e a desnutrição desses animais. Em São Luiz Gonzaga, o produtor Cesar Comparsi precisou suplementar a alimentação do gado:
— Mais para tentar manter o peso, porque a conversão de gordura e ganho de peso, hoje, não é o foco. Tem que tentar sobreviver com esses animais, manter eles em um estágio bom para futuramente, quando vierem as chuvas ou o inverno, esse gado estar com peso que a gente consiga mandar para o abate — relata Comparsi.