Experiência com áreas de várzea ajudou Bizzi a alcançar 53 sacas por hectare
A expansão da soja para o Uruguai ainda não é comparada, em intensidade, com a do arroz nos anos 1990, quando agricultores gaúchos atravessavam a fronteira para cultivar campos uruguaios com a esperança de melhorar de vida. Mesmo distintos, os dois movimentos estão relacionados. Boa parte dos produtores que estão expandindo as lavouras da oleaginosa teve como primeira experiência internacional o cultivo do arroz.
Filho de arrozeiro que começou a plantar no Uruguai em 1992, Junior Bizzi, 35 anos, natural de Santa Maria, cultiva 360 hectares de soja e 600 de arroz em propriedades localizadas em Melo.
- Há três anos, a soja ocupava apenas 20 hectares de nossa lavoura. No próximo ano, queremos ampliar para 600 hectares com abertura de novas áreas de campo - conta Bizzi, formado em Administração.
Há 10 anos, a família chegou a plantar soja nos campos uruguaios, mas sem sucesso.
- Usamos máquinas de arroz, e o tempo também não colaborou muito na época - lembra.
Na colheita deste ano, a produtividade ficou acima de 3,2 mil quilos por hectare - ou 53 sacas por hectare. O resultado é atribuído pelo produtor aos investimentos feitos e à experiência de cultivo em áreas de várzea.
- Argentino não planta em área baixa, são basicamente os brasileiros que se aventuram nessas terras - completa Bizzi.
Valor da terra estimulou a migração
Há menos de uma década, um hectare de terra localizado no departamento de Cerro Largo custava em média US$ 600. Atualmente, o mesmo espaço é vendido por cerca de US$ 4,5 mil. Com a invasão de produtores argentinos em campos uruguaios, investimentos de papeleiras e valorização da soja, o preço de terras no país vizinho se multiplicou nos últimos anos.
- Durante muito tempo, o preço do hectare no Uruguai ficou entre US$ 400 a US$ 800. A partir de 2005, por causa desses fatores, os valores começaram a subir ano a ano - diz o corretor Nilo Ourique.
A região agrícola mais valorizada no país é a de Mercedes, no oeste do Uruguai, onde o hectare chega a mais de US$ 6 mil em razão do solo fértil e do clima favorável. Os preços se equivalem aos cobrados pelas terras na Metade Sul do Rio Grande do Sul - em torno de R$ 15 mil por hectare.
O limite individual de 100 mil hectares para compra de terras, tanto para uruguaios quanto para estrangeiros, facilita a aquisição por parte de brasileiros no país vizinho. Intendente do departamento de Cerro Largo, cargo semelhante ao de governador no Brasil, Sérgio Botana destaca que é possível perceber facilmente o impacto do avanço da soja na região.
- De dois anos para cá, esse movimento começou a ficar mais visível, mexendo com a economia de Melo. Os argentinos chegaram antes, mas agora são brasileiros que fazem a soja avançar no Uruguai com mais força - ressaltou Botana.
Se argentinos protagonizaram o avanço da soja na região de Mercedes, no oeste do Uruguai, são os brasileiros que fazem lavouras do grão germinarem no lado oposto do país vizinho. Gaúchos que atravessaram a fronteira para explorar os campos uruguaios predominam entre os produtores de soja nos departamentos (equivalentes a Estados) de Cerro Largo e Rivera. Na última década, a área cultivada com a oleaginosa foi multiplicada por quatro nas vastas terras planas do Uruguai - tradicionalmente ocupadas por bovinos, ovinos e arroz.
Com safra estimada em 3,2 milhões de toneladas, o país com pouco mais de 3 milhões de habitantes já ocupa a sexta posição entre os maiores fornecedores do grão no mundo - os líderes em exportação de soja são Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai e Canadá. O volume colhido, seis vezes maior do que há 10 anos, é resultado de produtividade 50% superior nas lavouras, chegando a 2,5 mil quilos por hectare, conforme dados do governo uruguaio.
A tecnologia para aumentar os resultados está sendo disseminada com ajuda de produtores que compraram ou arrendaram terras do lado de lá da fronteira brasileira. A proximidade com o Rio Grande do Sul facilitou a entrada dos agricultores pelos municípios de Rivera e Aceguá - onde a área cultivada com soja também aumentou significativamente nos últimos anos.
Para chegar à propriedade do gaúcho Ivanor Carlos Pozzebon Jann, 52 anos, na cidade de Melo, capital do departamento de Cerro Largo, é preciso percorrer 10 quilômetros pela Rota 8 no sentido Aceguá a Melo. Da rodovia, são mais 25 quilômetros de chão batido. Ao chegar à Agroganadera Jann, onde o produtor vive com a família, é possível perceber a imponente presença da soja espalhada por campos de pastagens e até mesmo em áreas baixas de arroz.
Em vídeo, assista como agricultores gaúchos vivem no Uruguai
Natural de Faxinal do Soturno, na região central do Rio Grande do Sul, Jann migrou para o Uruguai em meados da década de 1980 para trabalhar como tratorista de um arrozeiro gaúcho. Em 1999, começou a arrendar áreas para plantar arroz e criar gado. Há três anos, deixou de lado a lavoura de arroz e atualmente cultiva 350 hectares com soja e cria 300 cabeças de gado.
- Estamos dando um tempo para aproveitar o bom momento da soja. Mas isso não quer dizer que um dia não volte a plantar arroz - conta o produtor, hoje cidadão uruguaio.
A opção de Jann é justificada pelo custo menor de produção e maior valor de venda. Nesta safra, concluída há pouco mais de 15 dias, Jann colheu uma média de 3 mil quilos por hectare. Grande parte dos grãos foi encaminhada ao porto de Montevidéu.
Experiência com arroz abriu caminho