
O último Censo Agropecuário, realizado pelo IBGE em 2017, mostrou um crescimento do espaço da mulher do campo. Em 2006, as mulheres representavam pouco mais de 12% dos produtores rurais. Em 2017, passaram a ser 18% do total e, conforme a pesquisa, são quase 1 milhão de mulheres responsáveis pela gestão de propriedades rurais. Apesar dessa evolução, ao comparar com dados relativos aos homens, que dirigem 4,1 milhões de estabelecimentos rurais, a desproporção é grande, o que é refletido de diferentes maneiras. Para debater essas diferenças e promover reflexão sobre a questão de gênero, nasceu o programa Nós por Elas – A voz feminina do campo.
Desde o surgimento do Instituto Crescer Legal, em 2015, criar uma ação para valorizar meninas e mulheres do campo já estava nos planos. Foi então que, em 2017, em parceria com os cursos de Comunicação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), a ideia saiu do papel com um projeto voltado às egressas do Programa de Aprendizagem Profissional Rural do Instituto. Com o apoio de profissionais da Unisc, as jovens entre 15 e 19 anos produzem programas de rádio realizados e gravados na universidade.
O papel da mulher na sociedade, a violência contra a mulher, o trabalho infantil, a gravidez na adolescência, a mulher no mercado de trabalho, a liderança e o empreendedorismo feminino são alguns dos temas debatidos nos boletins de rádio, que têm causado um efeito positivo tanto para quem os produz quanto para quem os escuta.
— Percebemos o quanto as meninas tornam-se mais independentes e empoderadas, tomando consciência sobre os assuntos abordados no programa, tendo uma visão mais crítica das coisas e do seu papel no mundo — afirma a coordenadora pedagógica do Instituto Crescer Legal e educadora responsável pelo piloto do programa, Cristiana Rehbein.
Conforme Cristiana, o programa está interligado com as tendências internacionais de fortalecimento e empoderamento feminino e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU relacionados à igualdade de gênero.
— Entendemos que tratar sobre o assunto de gênero é necessário, pois a mulher ocupa um importante papel frente à propriedade rural, mesmo que nem sempre esse papel seja reconhecido. Queremos que as meninas sejam lideranças, indiferentemente do espaço que ocuparem — defende.
Todos os programas estão disponíveis para download no site do Instituto Crescer Legal. Confira aqui.
Multiplicação de vozes femininas
Camila dos Santos, 20 anos, que reside no interior do município de Vale do Sol, no Rio Grande do Sul, participou da turma do Nós por Elas em 2019, onde pôde se aprofundar não apenas sobre temáticas relacionadas às mulheres, mas também no universo do rádio.
— Minhas lembranças do programa Nós por Elas é uma mistura de saudade com agradecimento. Foi um período muito importante na minha vida, onde eu aprendi coisas que me fizeram crescer como pessoa, mas também profissionalmente — recorda.
São cerca de 240 horas de atividades, com pesquisas e trabalhos sobre temas como história do rádio, conceitos e técnicas de radiojornalismo, estrutura da notícia, produção de textos e roteiros. Ao final, o período é completado com a produção de programas de rádio sobre temas relacionados à mulher.
Os boletins são veiculados por entidades parceiras do Instituto em seus programas de rádio semanais. Além disso, alguns programas são disponibilizados via agência de notícias Radioweb, por meio de parceria com o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco).
— Somos mulheres do campo, falando para mulheres do campo. Temos o poder e o compromisso de passar uma informação, e o rádio é o nosso aliado. Sabemos que ele é uma ferramenta que alcança diversos lugares e podemos dar esperança e luz para uma mulher isolada que pode estar sofrendo com violência, discriminação ou preconceito — analisa Camila.
A reitora da Unisc e sócia fundadora do Instituto Crescer Legal, Carmen Lucia Lima Helfer, destaca o papel do rádio em meio à iniciativa, ferramenta de grande difusão, especialmente no âmbito rural.
— O rádio é ainda uma poderosa ferramenta de comunicação. Mulheres e homens do meio rural vão escutar suas filhas falando sobre questões que fazem parte da vida de todos. Há, assim, mais chances de que as mensagens sejam compreendidas e provoquem transformações — avalia.
Bolsas de estudo e apoio logístico
Já a assistente social do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Santa Cruz do Sul - um dos apoiadores do projeto -, Salete Faber, avalia que uma das principais dificuldades encontradas atualmente pelas mulheres do campo é a falta de políticas públicas voltadas para esse público, que vão desde a linha de crédito até políticas sociais de atenção às mulheres.
— A maior evolução que percebo é na autonomia das mulheres na parte financeira, na qual estamos em pleno protagonismo nos mais variados espaços, nas lideranças comunitárias, na gestão da propriedade, na atuação sindical, entre outras. Tivemos muita evolução nos últimos anos, mas é preciso ir além. O “Nós por Elas” incentiva mulheres a propor debates de temáticas que vão ao encontro da realidade das trabalhadoras rurais — destaca.
O programa conta com concessão de bolsa de estudos às participantes pelo Instituto Crescer Legal durante os três meses em que ele é desenvolvido, além de apoio logístico. Em 2020, algumas ações tiveram que ser adaptadas e reinventadas em razão da pandemia do novo Coronavírus — o que possibilita acelerar o objetivo de disponibilizar o conteúdo em novas plataformas. Neste ano, o programa também conta com voluntárias de edições anteriores, que têm encontros virtuais e são orientadas para a produção dos materiais em suas casas com o uso de recursos disponíveis.
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