
Maria Eduarda Rodrigues Schwinn, 15 anos, deseja cursar a faculdade de Engenharia Agrícola e, com o conhecimento adquirido, administrar uma propriedade rural na sua região, em Santa Cruz do Sul, no centro do Estado. O sonho está tomando forma com a sua participação no Programa de Aprendizagem Profissional Rural, do Instituto Crescer Legal, iniciativa do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) e de empresas associadas, que tem o objetivo de oferecer oportunidades para que o jovem permaneça e se desenvolva no meio rural.
O programa é pioneiro ao oferecer aprendizagem profissional sem sair do campo e da escola, formando adolescentes no curso de gestão rural e empreendedorismo ao longo de aproximadamente 10 meses. Os jovens são contratados como aprendizes por empresas do setor de tabaco associadas e apoiadoras do Instituto Crescer Legal e recebem salário proporcional a 20 horas semanais – a carga horária do curso, que ocorre no contraturno escolar. Ao invés de trabalhar nas companhias, os aprendizes de 14 a 17 anos realizam atividades teóricas e práticas nas escolas sede e nas suas respectivas comunidades.
— Decidi participar do curso pelo fato de ser importante para mim, propondo mais conhecimentos em relação à localidade rural. Justamente porque eu amo este chão, esta terra que me viu crescer — afirma Maria Eduarda.
A cada ano, o Programa de Aprendizagem Profissional Rural conta com a participação de cerca de 140 adolescentes em sete municípios gaúchos. Em 2020, as turmas estão em Boqueirão do Leão, Canguçu, Cerro Branco, Herveiras, Passo do Sobrado, Sinimbu e Santa Cruz do Sul. Desde 2017, já formou 333 jovens e, neste ano, conta com mais 141 aprendizes, com destaque para a primeira turma sediada na região sul do Estado, em Canguçu.
— Com uma metodologia voltada ao protagonismo do jovem, mas dentro de um ambiente de coletividade, queremos que eles identifiquem possibilidades, vontades e desenvolvam habilidades para fazer escolhas conscientes sobre o futuro, considerando o campo, a trajetória da sua família e a história da sua comunidade nestas decisões — destaca a gerente do Instituto Crescer Legal, Nádia Fengler Solf.
Metodologia voltada ao protagonismo do aprendiz

Entre as atividades realizadas no Programa de Aprendizagem Profissional Rural, aparecem estudos e análises das propriedades rurais, diagnóstico do município e da região com estudos dos arranjos produtivos locais, mapeamento de parcerias e alianças estratégicas, trabalhos em grupo envolvendo as famílias e a comunidade, além de projetos de empreendedorismo.
Desde 2016 atuando no programa, o educador Adriano Emmel explica que são utilizadas metodologias ativas, em que o aprendiz é o protagonista do seu próprio aprendizado. As atividades presenciais ocorrem no formato de oficinas como forma de incentivar os jovens a aprenderem de maneira participativa, a partir de situações reais e conforme o seu contexto de vida.
Na sala de trabalho, os adolescentes são organizados em círculo, o que simboliza a ideia de espaço de aprendizagem proposta pela iniciativa: de interação, participação, comunicação e equidade do grupo.
— É uma grande satisfação trabalhar para o Programa de Aprendizagem Rural, que tem um papel social tão importante na vida de jovens, famílias e comunidades rurais. Eu também sou do meio rural, minhas origens são rurais. Assim, tenho uma grande identificação com o propósito do programa, o que torna muito gratificante minha contribuição — pontua Emmel.
O curso conta com um expressivo índice de conclusão, que chegou a 94,2% em 2019. Manuela Vitória Müller Mohr, 16 anos, está no grupo de formandos da turma de Passo do Sobrado no ano passado e é mais uma impactada positivamente pela proposta.
— Com o programa, pude me desenvolver como profissional, tive o primeiro contato com o mundo do trabalho e adquiri vários conhecimentos importantes. Ao longo do curso, aprendi a me expressar melhor e ter ainda mais determinação para alcançar os meus objetivos. Também me proporcionou amizades, experiências e um novo olhar para o mundo — detalha Manuela, que já planeja a sua carreira no campo da Psicologia.
Com a pandemia, as atividades presenciais de 2020 foram suspensas temporariamente. A partir disso, os educadores encontraram o desafio de pensar em alternativas para seguir presente na vida dos aprendizes, mantendo o vínculo do trabalho iniciado. Uma das dificuldades é a falta de acesso à internet em algumas regiões envolvidas, algo comum no Brasil. De acordo com o último Censo Agropecuário, de 2017, mais de 70% das propriedades rurais não têm conexão.
Entre outras medidas, foi preparado um material impresso para que os aprendizes pudessem realizar as atividades em casa com planos de estudos de diferentes temáticas do curso. Para a entrega dos materiais, criou-se uma logística com a marcação de encontros em pontos de referência nas localidades, contando com o apoio de parceiros e sem esquecer as normas de higienização e distanciamento social.
— Temos desafios diários e buscamos contribuir de várias formas a partir da realidade de cada um. A cada dia nos aprimoramos, ouvimos e buscamos compreender e contribuir com os anseios do momento — relata a educadora de Santa Cruz do Sul, Débora Berghahnn.
Felipe Eduardo Lange, que está participando como aprendiz na turma de Cerro Branco deste ano, conta que mesmo com as atividades à distância a experiência com os ensinamentos passados têm sido marcantes para ele. Lange conta que na sua própria residência consegue aliar teoria e prática e saber de assuntos que jamais aprenderia sozinho, como categorização de tipos de solo, fases da lua no plantio e os benefícios de plantas para a saúde.
— As apostilas que recebemos para aprender e fazer exercícios são muito intuitivas, dá vontade de fazer. Está sendo uma experiência única. Só experimentando para saber — declara o jovem de 16 anos.
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Pioneiro no Brasil
Um dos projetos obrigatórios da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (SRT/RS) é o de inserção de cotas de aprendizes nas empresas de médio e grande porte, prevista na Lei da Aprendizagem Profissional. É determinado ainda que as empresas rurais devam contratar, no mínimo, 5% de aprendizes sobre o total de empregados com formação profissional, regra válida também para o Empregador Rural Individual.
A auditora-fiscal do trabalho e coordenadora Projetos de Combate ao Trabalho Infantil e Inserção de Aprendizes do SRT/RS, Denise Natalina Brambilla Gonzales, relata que, no final de 2014, foi observado em Fórum Gaúcho da Aprendizagem Profissional (Fogap) a oportunidade de cursos de Aprendizagem Profissional Rural voltados para a gestão rural servir de cumprimento de cotas das indústrias e, ao mesmo tempo, capacitar o jovem do campo para o mundo do trabalho.
— Em continuidade, por meio do SindiTabaco, realizamos algumas Audiências Públicas com as indústrias de tabaco da região de Santa Cruz do Sul, quando foi exposta a Lei da Aprendizagem, e o projeto que a várias mãos estava sendo construído. Desta forma, surgiu a modalidade pioneira nacional de Aprendizagem Profissional Rural — conta.
A iniciativa envolvendo órgãos do governo e indústria nasce também para evitar o trabalho infantil no campo, ainda bastante presente no país e combatida pelo Instituto Crescer Legal. Conforme a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47,6% das crianças de 5 a 13 anos que trabalhavam em 2016 estavam ocupadas em atividade agrícola; 24,7% em segmentos como construção, indústria, transportes e serviços; 21,4% no comércio e 6,3% em serviços domésticos.
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