A abertura de um novo canal na Lagoa dos Patos seria uma boa solução para evitar novas enchentes como a ocorrida neste ano no Estado? Desde que foi considerada, a proposta recebeu críticas de pesquisadores e ambientalistas. Passados mais de três meses do auge das cheias, uma pesquisa foi premiada ao reforçar que essa ideia é cara, causaria danos ambientais relevantes e prejudicaria comunidades do entorno.
O estudo foi elaborado no Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS). Com o título “Análise de Abertura de Novo Canal de Maré na Lagoa dos Patos para Atenuação de Cheias no Rio Guaíba, RS”, o trabalho foi premiado nos congressos II Simpósio Nacional de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica (II Fluhidros) e XVI Encontro Nacional de Engenharia de Sedimentos (XVI Enes), promovidos pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRHidro).
O responsável por liderar o grupo, Rodrigo Amado, que é docente na UFF, lembra que a ideia circulou na época entre tomadores de decisão de diferentes níveis, como se fosse uma “solução mágica”.
— Seria um canal muito extenso, com uma extensão mínima de 20 quilômetros, com uma largura muito grande também e sem nenhum estudo associado, então ninguém sabia se realmente iria funcionar — disse.
Segundo o professor, o principal argumento levantado contra a construção do canal foram os impactos ambientais.
A Lagoa dos Patos tem na parte norte água doce e na parte sul água salgada. Com a construção do canal, a água da lagoa seria salinizada, e esse é um impacto ambiental importante
RODRIGO AMADO
Professor da UFF
Para além das consequências no ecossistema, o pesquisador também ressalta os efeitos na economia local, já que a água do lago é muito utilizada na irrigação das plantações de arroz em torno do corpo hídrico.
Entretanto, uma questão que Amado afirma ser ainda mais importante é, “se construído o canal, ele vai funcionar ou não?”. Essa é a pergunta central analisada pelo estudo, que conclui que o canal não seria a melhor solução.
— A obra seria muito cara e muito complexa, porque é um canal muito longo. Teria que ter proteção na entrada, para que não assoreasse pela ação das ondas do mar, e comportas também teriam que ser construídas — argumenta.
Para desenvolver a pesquisa, que contou ainda com participação do também professor do Departamento de Engenharia Agrícola e do Meio Ambiente da UFF, André Belém, foi utilizado modelagem computacional para simular o corpo d’água.
Dados do Guaíba como batimetria, contornos, margens, vazão de água, maré e vento foram inseridos no programa, atestando a confiabilidade do modelo.
— Comparamos os resultados do nível de água medido no Guaíba, em Porto Alegre, e na desembocadura marítima da Lagoa dos Patos. Como os níveis simulados bateram com os medidos na capital, isso mostrou que os resultados do modelo estavam coerentes.
A partir da modelagem e da comparação entre os dados observados, a conclusão do estudo foi que a obra seria extremamente complexa pela extensão do canal e consequências no ambiente, com um ganho muito pequeno.
— O que obtivemos de resultado nesse estudo foi que, se o canal fosse aberto, apenas 35 centímetros do nível da água seriam reduzidos, lembrando que o nível passou para mais de cinco metros— informa Belém.
Outro cenário simulado durante a pesquisa foi a dragagem da região entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos, mas, de acordo com o professor, o resultado seria o mesmo da abertura do canal.
— Não resolveria o problema, mas seria uma solução mais barata que o canal — avalia o professor.
Falta de manutenção
Para Amado, a melhor forma de lidar com as inundações é investir no sistema já existente contra enchentes da capital gaúcha, como defendido por especialistas na época das tempestades.
— O que enxergamos como solução para esse problema, e o que acho que é unanimidade no meio técnico de quem trabalha com hidráulica e hidrologia, é: Porto Alegre hoje já possui um sistema bastante robusto de proteção contra enchentes e alagamentos, o problema é que esse sistema não funcionou por falta de manutenção — ressaltou.
Amado acrescenta que o sistema foi pensado para proteger a cidade após 1941, quando ocorreu a maior cheia da história.
— Foi uma questão de falta de manutenção, porque como não houve cheias parecidas, o sistema não foi colocado para funcionar. Se tivesse funcionado, pesquisadores da região garantem que teria resolvido o problema e não teria tido o mesmo transtorno — afirma Amado.