Em 2011, um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) decidiu usar a tecnologia para resolver um problema de todos. Sem tempo nem paciência para cozinhar e cansados de comer lanches na cantina, eles trabalharam em um aplicativo para mostrar opções de telentrega na cidade e fazer os pedidos pelo celular.
A ideia surgiu na mesma época em que outro aplicativo, o iFood, avançava em grandes cidades. Mas não havia nada parecido em municípios menores. O grupo se apeteceu com a oportunidade. Com cerca de 40 mil universitários equipados com celulares e abertos a novidades, Santa Maria, na Região Central do RS, surgia como cidade ideal. Os sócios levaram a ideia para a Incubadora Tecnológica da UFSM (ITSM), esculpiram-na e a transformaram em um novo negócio, o Delivery Much.
O crescimento foi acelerado. Três anos mais tarde, a startup contava com dezenas de milhares de usuários e reunia a maioria dos restaurantes da cidade. Em 2016, o Delivery Much deixou a incubadora para ganhar uma sede própria e se expandiu para outros municípios do Interior. Ijuí, Caxias do Sul e Pelotas foram cadastrados. Empresários de outros Estados começaram a desembarcar em Santa Maria para conhecer a novidade e replicá-la.
– Quando percebemos, estávamos chegando a cidades como Lages (SC), Cacoal (RO) e Formosa (GO) em parceria com empresários locais – lembra Rodrigo Farina Mello, diretor de Operações da Delivery Much.
A startup santa-mariense se tornou uma potência da telentrega de comida em municípios de até 300 mil habitantes. Hoje, movimenta R$ 20 milhões por mês em 200 cidades – a maioria por franquias. São 1 milhão de usuários e mais de 5 mil restaurantes cadastrados. Para atender esse contingente, conta com 500 colaboradores, entre funcionários e franqueados.
– Aprendemos a fazer negócio no Interior, o que é bem diferente das grandes cidades. Temos informações de que uma gigante do setor já mandou representantes a Santa Maria oito vezes para captar restaurantes. Voltaram de mãos abanando – orgulha-se Mello, garantindo que o aplicativo devora 98% do mercado local.
Universitários conectados
O caso da Delivery Much é o exemplo da onda de inovação em Santa Maria. Com quase uma dezena de centros universitários na zona urbana ou ao seu redor, a cidade é reduto de jovens de classe média vindos de outros municípios – e longe das conveniências familiares.
Esse perfil leva os próprios estudantes a desenvolverem sites e aplicativos para resolver seus problemas rotineiros – que, muitas vezes, tornam-se negócios promissores.
– É um pessoal que adora praticidade, tanto em entrega de comida quanto em mobilidade urbana ou busca por cupons de descontos em bares ou restaurantes – exemplifica Tiago Sanchotene, diretor do Parque Tecnológico de Santa Maria (Tecnoparque), que reúne empresas que passaram pelas incubadoras da Universidade Franciscana e da UFSM, que são duas, a Pulsar e a ITSM, ambas administradas pela Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia da Universidade (Agittec).
Conforme Sanchotene, há pouco mais de cem startups no município, entre as incubadas nas universidades e as residentes no Tecnoparque. O foco de atuação delas varia (há muitas de agronegócio, saúde e segurança), mas as que oferecem serviços e conveniências aos jovens são cada vez mais numerosas – e lucrativas.
Na incubadora da Franciscana, um grupo de empreendedores está desenvolvendo um “Uber das universidades”. O Vambora? é um aplicativo que pretende organizar um esquema de caronas compartilhadas entre alunos e professores. A exigência para embarcar é que o destino ou a origem do trajeto seja uma universidade. Todos os caroneiros e motoristas são cadastrados e devem comprovar ligação com a instituição de ensino.
– Quem estuda em Santa Maria sofre bastante com o transporte público. Nosso serviço vai ajudar a ocupar os carros que entram ou saem da universidade a um preço fixo por trajeto, de R$ 2. É um ganho de tempo para quem pegaria ônibus e uma ajuda para o combustível – explica o cofundador da Vambora? Guilherme Krug da Silva, formado em Administração em agosto passado.
Conforme uma pesquisa da empresa, 70% dos carros circulam em Santa Maria apenas com o motorista. Se a tecnologia conseguir conectar motoristas a passageiros, o resultado será mais gente em cada veículo, ruas menos abarrotadas e ônibus mais preocupados com seus serviços, beneficiando a todos, defende Guilherme.
Iniciado em 2018, o projeto hoje absorve o trabalho de nove pessoas e está em fase de testes. Cinquenta motoristas e 500 estudantes foram cadastrados para experimentar a novidade e trazer suas opiniões. À medida que a ideia avançar, serão incluídos mais usuários. A startup ainda estuda, por exemplo, como cobrar por seu serviço e trabalha para implementar a funcionalidade de avaliação dos motoristas.
– Nossa expectativa é acelerar os cadastros até o final deste ano e expandir o serviço para Porto Alegre, Pelotas e Passo Fundo, que também são polos universitários importantes – afirma Guilherme.
Tentáculos da inovação
Com a economia calcada no comércio e nos serviços, Santa Maria também é terreno fértil para tecnologias que facilitem a compra e ajudem lojistas a fidelizarem clientes. A Polvo Louco, startup criada em Porto Alegre, mudou-se para a cidade da região central do Estado em 2013 para tentar crescer em uma praça com maior concentração de estudantes e custos menores para publicidade. A empresa iniciou como um site de cupons e passou a adicionar outros serviços: clube de descontos, venda de ingressos e, mais recentemente, uma plataforma para acúmulo de pontos e troca por vantagens diretamente nos balcões das lojas.
– Em Santa Maria, encontramos um comércio tradicional, com espaço para absorver mais tecnologia, e jovens conectados. Isso nos ajuda a testar e oferecer serviços inovadores – explica Eduardo Debus Righi, 29 anos, um dos três sócios da empresa.
O sistema de pontuação se tornou o carro-chefe da Polvo Louco. O serviço funciona a partir da instalação de um tablet no balcão de atendimento comercial, no qual o próprio usuário se registra e informa quanto gastou (dados que são conferidos pelo atendente). O consumo gera pontos, que podem ser trocados imediatamente por uma sobremesa, bebida ou acompanhamento, por exemplo.
– Atualmente, 150 lojas usam a tecnologia e a quantidade de clientes cadastrados chega a 250 mil, a grande maioria de Santa Maria, embora também haja usuários de outras cidades, até de fora do Estado – diz Eduardo.
O próximo desafio do Polvo é captar um investimento para aplicar em marketing e esticar seus tentáculos para mais estabelecimentos comerciais.
Ambiente de inovação - Agittec
- O que é? Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
- Qual a importância? Reúne as duas incubadoras tecnológicas da UFSM: Pulsar (que agrupa startups agrícolas) e ITSM, com empresas de diferentes setores.
- Quantas pessoas participam do negócio? São 24 jovens empresas tecnológicas, com um total de 150 pessoas em atividade.
- Mais informações: ufsm.br/orgaos-executivos/agittec/