
Na semana passada, o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão de apoio ao Congresso Nacional, aprovou um relatório que propõe equiparar à mídia tradicional empresas de internet como o Google, o Facebook ou o WhatsApp. O princípio é que essas plataformas tenham obrigações e responsabilidades jurídicas similares às de jornais e emissoras de TV, por exemplo.
No cerne da discussão, estavam problemas como as fake news. As empresas da web distribuem-nas e lucram com elas, sem ser penalizadas por seus efeitos destrutivos para a vida social e política. O conselheiro Sydney Sanches, autor do relatório, também observou que as redes sociais têm vantagem na concorrência com a mídia tradicional. Ele disse esperar que o relatório seja levado em consideração pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista das Fake News, colaborando para uma melhoria nos marcos regulatórios brasileiros e para um proteção da mídia tradicional, com garantia de equivalência na concorrência com as plataformas digitais.
— Essas plataformas digitais têm de ser reguladas — defende Sanches, que concedeu a seguinte entrevista a GaúchaZH:
Qual foi a origem do relatório feito pelo senhor e aprovado pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso?
O Conselho tem um papel consultivo, de contribuir com o debate político. Fomos instados pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que nos fez algumas indagações sobre como estamos, em termos regulatórios, no que tange à proteção da privacidade. E também sobre a responsabilidade das plataformas digitais em relação à difusão das fake news. Procuramos mapear nosso arcabouço regulatório e recomendar alguns encaminhamentos.
O relatório cita que empresas como WhatsApp, Facebook e Google têm lucros estratosféricos com anúncios, mas sem responsabilização pelos conteúdos difundidos. Esse é o problema central?
Há uma assimetria na concorrência com a imprensa tradicional, que está sujeita a todas as responsabilidades no caso de difusão de notícias falsas. As fake news tomaram tal proporção que vários Estados que deveriam ser soberanos sofrem consequências sérias disso, com influência nos processos sociais e políticos. Temos exemplos como Donald Trump, o Brexit, El Salvador, vários países do Leste Europeu e o próprio Brasil, onde a ferramenta de distribuição de informação pelas redes sociais influenciou nas eleições. Isso se dá de forma muito confortável para as plataformas digitais, que simplesmente afirmam não ter controle sobre o conteúdo e que, por conta disso, não podem ser responsabilizadas. O fato é que essas empresas são monetizadas por esse tipo de difusão da informação, seja ela verdadeira ou falsa. É um modelo no qual conseguem se monetizar através da publicidade e da difusão de seu próprios serviços.
Então essas empresas lucram com a difusão de informações falsas?
E essa irresponsabilidade precisa ter um controle. O Brasil tem construído marcos regulatórios, como a Constituição, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral da Proteção de Dados, que entra em vigor no próximo ano. É suficiente? Não é. Avançamos na questão dos dados pessoais, mas falta avançar no que diz respeito à responsabilidade por você estar se monetizando com aquilo que é falso e por se valer de sua base de dados para obter lucros sem nenhum critério moral. Essa foi a grande provocação que a gente fez no relatório. Cabe agora ao Congresso se debruçar sobre esse estudo.
Como as gigantes da internet podem ser responsabilizadas por isso?
Havia duas sugestões de parlamentares. Uma era criminalizar as fake news no âmbito da Lei de Segurança Nacional. A outra era uma tipificação no Código Penal para quem distribuir fake news. Inserir na Lei de Segurança Nacional um termo fake news aberto e indefinido daria margem a manobras de natureza política por parte de quem estiver no exercício do governo, o que poderia ser uma afronta à liberdade de expressão. A outra sugestão não dava um real sentido ao que seria fake news, nem qual seria a extensão da responsabilidade. Ambas as sugestões foram rejeitadas pelo conselho, mas é preciso pensar num aprimoramento da lei civil. Um caminho pode ser ter multas mais severas e uma equiparação das responsabilidades dessas plataformas digitais às da imprensa tradicional. Se a imprensa tradicional pode ser responsabilizada civil e criminalmente por informações falsas, por que não estender isso também às plataformas digitais?
Isso significaria, por exemplo, que o WhatsApp teria de arcar com a responsabilidade pela difusão em sua plataforma de uma notícia que não é verdadeira?
Seria esse o sentido. Mas pode-se argumentar que é diferente, que às vezes a notícia nasce não se sabe de onde, porque viralizou. Qual a extensão dessa responsabilidade? Vai até o momento em que tenha conhecimento disso e não tomou nenhuma medida concreta.
Quem não tiver mecanismos para eliminação do conteúdo falso, quando receber uma denúncia, seria responsabilizado?
Exatamente. Esse princípio de responsabilização dos provedores o Marco Civil da Internet já prevê, mas mediante ordem judicial. Poderia haver mecanismos de notificação por fonte fidedigna, como o Ministério Público ou o ofendido pela falsidade, através de ferramentas administrativas. Não temos a solução perfeita, mas colocamos ideias e provocamos o debate político.
O que não pode é continuar como está?
Exato. Nas últimas eleições, em um momento de crise, o Tribunal Superior Eleitoral tentou instalar uma comissão para fiscalizar as fake news. O resultado foi inócuo, em primeiro lugar porque havia o elemento surpresa, as instituições públicas não estavam preparadas. Mas no ano que vem vamos ter eleição e esse debate tem de estar posto, com o tempo necessário. A finalidade é que a gente mantenha a lisura do processo democrático, que as pessoas possam escolher livre de informações falsas, de pressões, de influências negativas. É um processo de preservação do estado democrático de direito e da democracia.
Como observa o relatório, além da democracia, também é prejudicial ao ambiente de negócios?
Quem atua no modelo tradicional é prejudicado, por causa de uma assimetria concorrencial clara. Você tem aqueles que enfrentam todas as dificuldades regulatórias, ou seja, a imprensa tradicional. E tem essas plataformas digitais em que a publicidade é disponibilizada sem compromisso, às vezes de forma indireta, induzida, às vezes de forma escondida dentro das informações que recebemos. Tem de ser regulado.
Muitas vezes, o veículo tradicional não tem controle sobre a publicidade que vai aparecer em seu próprio site, e o que aparece misturado às noticiais sérias são fake news. Isso é grave?
Sem dúvida. Isso também tem de regular. Quem tem a plataforma, o controle ferramental do ambiente, dispõe de uma prerrogativa desleal. Ele se vale disso sem consultar previamente se aquele espaço quer aquele conteúdo, porque vai de encontro ao que está veiculando ou porque é falso. Temos de pensar nisso também. Estamos falando das empresas que mais faturam no mundo, e com um problema sério de jurisdição, porque atuam de forma indiscriminada no mundo inteiro. É um poder de influência enorme. A capacidade de distribuição de conteúdo que essas plataformas têm precisa se dar no âmbito da legitimidade.