
Um mês e meio após ser capturado em Santa Catarina, um criminoso apontado como líder de uma facção envolvida em uma série de homicídios em Porto Alegre pode ter tentado forjar a própria morte. É o que aponta uma investigação da Polícia Civil, que resultou na Operação Dupla Face, desencadeada nesta segunda-feira (14).
Foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão nas cidades de Alvorada, Arroio dos Ratos e Porto Alegre. A polícia realiza buscas em casas de suspeitos de envolvimento neste caso e em outro golpe, ocorrido em agosto do ano passado. Foi quando teve início o trabalho da polícia consolidado hoje. O intuito é buscar mais elementos sobre o caso.
Maicon Donizete Pires dos Santos, 33 anos, conhecido como Red Nose, atualmente está preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Ele foi capturado em fevereiro do ano passado, após ser procurado por mais de seis meses. Em abril do mesmo ano, enquanto estava sendo mantido no Complexo Prisional de Canoas, na Região Metropolitana, teria acontecido a tentativa de forjar a morte do preso.
Na casa de uma auxiliar de enfermagem, investigada por estelionato, a Polícia Civil descobriu um documento fraudado. Trata-se de uma ficha de investigação de óbito hospitalar, preenchida com os dados de Red Nose. Nela, consta que o paciente teria morrido num hospital de Porto Alegre de "falência múltipla de órgãos", o que teria causado "morte cerebral".
O documento tem o carimbo da Secretaria Municipal da Saúde da Capital e de uma médica de São Leopoldo — segundo a polícia, foi falsificada a assinatura da profissional, que sequer havia trabalhado naquela instituição de saúde. A Polícia Civil está averiguando como a auxiliar teve acesso ao documento a ser preenchido e aos carimbos, se eles foram forjados ou furtados. A investigação também deve esclarecer qual a participação de Red Nose no suposto plano. Ele ainda será ouvido sobre o documento encontrado.
— É uma ficha que possibilitaria registrar a certidão de óbito desse indivíduo. A data do falso óbito é justamente a em que ele esperava ser solto, numa audiência. Mas isso não aconteceu porque ele recebeu duas novas prisões preventivas. Com a morte, se extinguiria a punibilidade desse cidadão. E esse indivíduo, com ao menos 12 homicídios, além de tráfico de drogas, conseguiria a extinção da punibilidade. Seria esquecido, diria assim, pelo Estado — afirma a delegada Luciane Bertoletti, da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas.
Golpe em hospital
A investigação teve início em agosto do ano passado, quando uma vítima de um golpe procurou a polícia. A mulher, que estava com a mãe hospitalizada em Canoas, relatou que havia sido enganada por uma auxiliar de enfermagem.
A profissional teria se aproximado dela, ganhando aos poucos sua confiança e, a longo, desse período, conseguindo ter acesso ao seu cartão bancário. A estelionatária teria usado o cartão para aumentar o limite da conta da vítima e fazer uma série de transferências em valores que chegaram a R$ 60 mil.
Além do documento relacionado a Red Nose, a polícia apreendeu na casa da auxiliar de enfermagem uma série de receituários médicos, carimbos de profissionais de saúde e outros documentos relacionados a instituições de saúde da Região Metropolitana.
— Nós suspeitamos que ela pudesse estar comercializando esse material, atestados, requisições, entre outros — diz a delegada.
A auxiliar de enfermagem, que não teve o nome divulgado pela polícia, chegou a ser presa no ano passado, mas atualmente responde em liberdade. Entre os alvos da operação desta segunda-feira, estão pessoas que receberam valores em dinheiro. Além do estelionato, o grupo é investigado por falsidade documental e ideológica.
Trajetória criminosa
Em 22 de fevereiro do ano passado, Red Nose foi preso em Santa Catarina. Naquele momento, era procurado há mais de seis meses por ser o responsável por uma série de homicídios no RS, principalmente na Região Metropolitana. A prisão foi realizada pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) e contou com apoio da Polícia Civil de Santa Catarina.
Antes de se tornar liderança junto ao tráfico, Red Nose era responsável, segundo a polícia, por lavar dinheiro de uma facção que tem berço no bairro Bom Jesus, na Capital. A atuação dele é definida como a de um criminoso "articulado".
Quando o homem apontado como líder dessa organização, José Dalvani Nunes Rodrigues, vulgo Minhoca, foi transferido para uma penitenciária federal, fora do RS, Red o sucedeu e assumiu a liderança junto ao tráfico de drogas, especialmente no bairro Mario Quintana, segundo a investigação.

A polícia afirma que Red, neste período, arquitetou um plano para destituir o comparsa. Em determinado momento, teria se aliado a outras facções e deixou o grupo nascido na Zona Leste. Por ser o responsável financeiro do grupo, apropriou-se de valores e armas para criar um novo grupo criminoso no Rio Grande do Sul. Com o dinheiro, Red Nose passou a cooptar bandidos da facção anterior, mas também soldados do crime em Santa Catarina e Paraná.
Após essa troca, as duas facções passaram a disputar pontos de tráfico e a ordenar mortes, entre agosto e setembro de 2023. Os homicídios foram registrados principalmente na zona norte de Porto Alegre, onde atuam os grupos, entre os bairros Mario Quintana e Costa e Silva, e na região do Timbaúva.
A investigação apontou que pelo menos sete homicídios registrados naquele período tiveram ligação direta com o conflito na Zona Norte. Conforme a polícia, entre as mortes nas quais ele estaria envolvido estão as da estudante Sarah Silva Domingues e do comerciante Valdir dos Santos Pereira, na Ilha das Flores, no final de janeiro de 2024.
Contraponto
A reportagem busca contato com a defesa de Maicon Donizete Pires dos Santos, o Red Nose. O espaço está aberto para manifestação.