
A Polícia Civil instaurou inquéritos para investigar a atuação de um cirurgião plástico em Porto Alegre. Pelo menos sete mulheres registraram boletim de ocorrência alegando negligência após problemas em decorrência dos procedimentos estéticos.
Entre as consequências relatadas pelas pacientes estão peles soltas, flacidez, feridas e assimetria. Os resultados vieram após cirurgias como lipo HD e plástica nos seios realizadas pelo mesmo médico em um hospital do bairro Santana, na Zona Leste.
O caso foi registrado na 10ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. De acordo com o delegado Ajaribe Rocha Pinto, responsável pela investigação, sete inquéritos foram instaurados na sexta-feira (11). O crime a ser apurado é de lesão corporal.
Relatos
Muitas das mulheres fizeram os procedimentos entre junho e julho do ano passado e foram recomendadas a fazer retoques no final do ano. A esteticista Elisa Euzebio, 30 anos, procurou o médico pela recomendação de uma influenciadora nas redes sociais. A ideia era fazer uma lipo HD na barriga, procedimento que busca remover a gordura e deixar os músculos definidos.
— Eu perguntei para ele se precisaria fazer alguma tecnologia (sic) para tratar a flacidez. Ele disse que não — relata Elisa, referindo-se a métodos utilizados para melhorar a definição em procedimentos estéticos.
Entretanto, mesmo meses após a cirurgia, ela permanecia com peles soltas e acúmulo de líquido na barriga. Quando voltou a consultar com o médico, ele disse que seria necessário um novo procedimento para obter o resultado esperado no primeiro.
Perdi toda a confiança e não quis fazer o retoque com ele
ELISA EUZEBIO
Elisa procurou outro profissional para realizar o segundo procedimento.
Da mesma forma, a também esteticista Graziele Gonçalves, 29 anos, seguiu a dica de uma influenciadora que conhecia. Ao contrário de Elisa, porém, ela fez a segunda cirurgia com o mesmo doutor após perceber resultados abaixo do esperado.
— Logo no primeiro mês, eu já vi que não estava bom. Aquele corpo que eu almejei, que me foi prometido, não foi entregue. Meu peito ficou com formato muito feio, caído, com gorduras localizadas, deixando desproporcional. Quando eu procurei ele, ele disse que ainda não fazia uma técnica específica e que poderíamos fazer um retoque. Dessa segunda vez, eu fui com medo. Da primeira, eu estava feliz por realizar um sonho — relembra.
Os gastos com hospital, anestesia e fisioterapia se repetem na segunda cirurgia. Mesmo assim, ela percebeu os mesmos problemas, sem diferença no resultado.
Eu continuo infeliz. Isso mexe diretamente com a nossa autoestima, com o psicológico. É de não conseguir se olhar no espelho
GRAZIELE GONÇALVES
Redes sociais
Depois que o grupo expôs os problemas nas redes sociais, as mulheres receberam relatos de outras pacientes que também passaram por situações semelhantes com o mesmo médico. Para a empresária Andrieli Funari, 30 anos, o problema começou após a operação, quando soube que o volume da prótese colocada era menor do que ela havia solicitado em consultório.
— Ele me disse que não coube e que o meu resultado estava muito bom. Nesse meio tempo, o meu peito abriu um ponto. Ele me deu uma pomada e depois que eu passei essa pomada no peito, eu comecei a ver feridas e pus. Teve um dia que eu parei para ver e ela estava vencida — relata.
Passado um tempo, ainda de acordo com Funari, as próteses começaram a ceder. Ela também apresentava problemas com peles na barriga e foi indicada a um procedimento de retoque.
— Passei por essa cirurgia, e é simplesmente a mesma coisa que nada. O formato da minha prótese continua o mesmo, caída. Inclusive, todas as mulheres têm a queixa do lado direito mais caído. É como se eu tivesse só gastado de novo. — conta Funari.
Conforme o relato da empresária, o médico teria dito que parte do resultado seria consequência da própria genética da mulher.
Contraponto
A polícia não divulgou o nome do médico, mas Zero Hora apurou que se trata de Valentim Pizzoni. Em entrevista à reportagem, o médico afirmou que não pode comentar casos específicos para não quebrar o sigilo médico.
— Tudo vai ser discutido na Justiça, avaliado por uma terceira parte neutra. Eu tenho plena confiança, como eu sou um cara muito correto, que vou ser inocentado. Eu exerço minha profissão com muito cuidado e com muita ética e muita disciplina — afirmou.
Sobre os resultados, Pizzoni explicou que o contrato assinado pelas pacientes deixa explícito que não há uma garantia.
— Todo mundo que consulta comigo, eu sempre digo a eles que o que eu faço é perigoso, invasivo. Eu não posso prometer resultado, eu não posso prometer que vai gostar. Eu prometo que eu vou fazer o melhor possível, com as técnicas adequadas, mas que uma boa parte do resultado não depende só de mim, depende do cuidado pós-operatório. Um terço do resultado depende da biologia da pessoa, que tá fora do controle dela e meu — avalia o cirurgião.
Com relação às cirurgias de retoque, Pizzoni também afirma que o segundo procedimento está previsto nos termos acordados com as pacientes em consultório.
— Inclusive, uma surpresa para mim foi que antes de operar todos os casos, uma das cláusulas está lá que se você precisar de alguma coisa para melhorar o resultado, esses são os custos. E, se depois disso tudo, a gente não entrar em acordo, o lugar para a gente gerir qualquer dificuldade nossa é o Judiciário. Não está escrito lá que se a gente não concordar, a gente vai discutir na internet. O lugar correto para gerir qualquer diferença é na justiça — complementa Pizzoni, que afirmou que ficou surpreso com as alegações nas redes sociais.
Procurado, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informou que não foi notificado sobre o caso.
Jurisprudência
Em março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu uma nova jurisprudência que prevê que os cirurgiões plásticos terão culpa presumida caso o resultado final das operações não seja harmonioso. Com isso, mesmo que o profissional tenha seguido todas as técnicas adequadas e protocolos de segurança, ele ainda poderá ser responsabilizado judicialmente se a aparência final não atender às expectativas.