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O receio de se tornar vítima de violência sexual fez com que 443 mulheres deixassem de praticar corridas em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Os dados foram divulgados na última sexta-feira (7) pelo Movimento das Mulheres Corredoras, que conduziu um levantamento com 519 participantes durante o mês de agosto.
O número corresponde a cerca de 85,5% das repostas coletadas pelo questionário, que foi aplicado de forma digital pelo movimento. Ou seja, apenas 76 corredoras afirmaram que não deixaram de praticar a atividade física em momento algum devido ao medo de sofrer violência sexual.
— Logo aquilo que pode nos gerar saúde física e mental é simplesmente abortado por um medo que nos toma conta diariamente. É um duplo dano à nossa saúde, não praticar atividade física e sentir medo constantemente — lamenta Aline Ferreira D’ávila, assistente social de 37 anos que participa ativamente do movimento.
Aline, que corre na Redenção há cerca de quatro anos, foi vítima de importunação sexual em julho do ano passado. Durante uma corrida matinal habitual, no dia 3 de julho, por volta das 6h40min, ela ouviu gemidos e assobios. Ao verificar o que acontecia, percebeu que um homem estava tocando as partes íntimas enquanto a olhava correr.
Assim como Aline, cerca de 350 corredoras já foram importunadas sexualmente em meio às práticas esportivas, segundo a pesquisa. O número corresponde a cerca de 67% das participantes do questionário. Cerca de 48,7% das entrevistadas também afirmaram já ter sofrido assédio sexual, totalizando cerca de 250 corredoras.
Ocorrências e notificação
Para o movimento, composto por 35 entusiastas da corrida, esses dados são alarmantes, especialmente pela subnotificação desses casos às autoridades.
— Mais de 90% das mulheres responderam que não realizaram o boletim de ocorrência, seja por descrença na eficácia desta ação, por medo, vergonha ou constrangimento — detalha Aline, em nome do grupo.
A pesquisa também identificou os principais locais onde ocorreram os episódios de assédio e importunação sexual, conforme relatado pelas participantes do estudo.
A maioria disse que os episódios aconteceram na rua, de forma geral. Enquanto 35% das entrevistadas afirmou que os casos aconteceram na Redenção. Cerca de 28% das vítimas disse que as violências aconteceram na orla do Guaíba.
A pesquisa
A pesquisa foi aplicada durante todo o mês de agosto de 2024, através de um formulário digital. O estudo foi compartilhado pelas redes sociais do Movimento das Mulheres Corredoras, além de grupos de WhatsApp. O questionário não especificou o período temporal dos incidentes, focando em detalhar as experiências pessoais das corredoras de Porto Alegre e região.
Além da questão que envolve a violência sexual, a pesquisa detalha o perfil dessas corredoras que responderam ao formulário. Do total de 519 respostas, 93,28% disseram que moram em Porto Alegre, além disso, 33,14% das mulheres que responderam possuem entre 26 e 35 anos. A maioria delas são brancas (83,1%), heterossexuais (81,94%), pós-graduadas (42,27%) e não possuem filhos (68,3%). Os números sugerem que 30,49% dessas corredoras começaram a praticar essa atividade física há cerca de dois anos.
O objetivo deste apanhado de dados, de acordo com o movimento, é levar "de forma mais qualificada" as informações sobre o desrespeito enfrentado pelas corredoras às autoridades.
— A pesquisa evidencia a necessidade das instituições reverem seu papel e suas respostas frente à sociedade e a nós mulheres — conclui Aline.
Caso de assédio deu início à luta
O caso de Aline deu o pontapé inicial à essa mobilização de mulheres que buscam o direito de poder correr pela cidade sem medo. O relato da assistente social, nas redes sociais, fez com que outras mulheres relatassem vivências similares. O caso também levou a Polícia Civil abrir um inquérito para investigar essa denúncia de assédio.
Uma semana após o caso, uma corrida coletiva foi realizada pelo movimento, contando com mais de 100 corredoras e corredores, que se uniram com o propósito de pedir maior segurança para as mulheres que praticam esportes na cidade. Na sequência, outras ações foram feitas pelo grupo para alertar as autoridades sobre situações como a enfrentada por Aline.
— As ações realizadas até o momento pelo movimento são expressões de uma necessidade real, que exigiu de nós mulheres um esforço coletivo na busca de medidas preventivas dos órgãos e instituições, mas também de cuidados entre nós mulheres — assinala a assistente social, em nome do movimento.
O que dizem as autoridades
Zero Hora procurou a Guarda Municipal de Porto Alegre, assim como a Brigada Militar, que fazem o patrulhamento da cidade.
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli, afirmou que a organização vem empenhando esforços, com o policiamento ostensivo em locais de prática de esportes.
— Nós temos empenhado esforços para ter um policiamento ostensivo em todos os locais que são da prática de esportes de maneira recorrente, tais como os que estão citados na pesquisa. A orla do Guaíba sempre enseja a nossa atenção, o Parque da Redenção e outras praças que se dispõem nos bairros, também. Além do dispositivo dos efetivos e do patrulhamento, nossa ação proativa na abordagem de pessoas que têm atitude suspeita faz com que nós tenhamos a identificação de eventuais agressores e mesmo delinquentes — ressaltou o comandante.
Ele ressaltou ainda que é importante que as vítimas notifiquem as autoridades sobre os casos para que medidas sejam tomadas.
— A gente tem muito pouco registro de assédio, então é importante que as mulheres que eventualmente sejam abordadas por algum indivíduo façam os registros para que nós possamos agregar inteligência com as características desses homens — concluiu.
Em nota, a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), por meio da Guarda Municipal (GM), afirmou que está realizando o patrulhamento preventivo nos espaços públicos de Porto Alegre para garantir a segurança da população e a preservação do patrimônio municipal. Confira a íntegra:
"A Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), por meio da Guarda Municipal (GM), possui, dentre suas missões, o papel de patrulhamento preventivo nos espaços públicos de Porto Alegre, garantindo a segurança da população e a preservação do patrimônio municipal.
A atuação é permanente em locais de grande circulação, como a Orla do Guaíba e o Parque da Redenção. No Parque, a Guarda Municipal mantém um posto avançado com funcionamento 24 horas, além do suporte de guarnições patrulhando e drones durante a manhã para reforçar o monitoramento.
Na Orla do Guaíba, o posto avançado encontra-se temporariamente desativado devido à enchente, mas o patrulhamento segue ativo, com guarnições operando em escala de 24 horas para garantir a segurança dos frequentadores e do espaço público."