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Com dificuldade para caminhar e mexer a ponta dos dedos das mãos, consequência do envenenamento por arsênio, Zeli dos Anjos, 61 anos, recebeu a equipe de reportagem com um sorriso tímido:
— Tudo bem com vocês? — perguntou.
Começava ali a primeira entrevista à imprensa com a mulher que preparou o bolo com a farinha que tinha um dos elementos químicos mais letais do mundo e que vitimou três pessoas da família.
A intenção de Zeli foi esclarecer os fatos que levaram ao dramático episódio das mortes das pessoas mais importantes da vida dela, numa trama que, segundo a polícia, foi toda pensada e planejada por alguém muito próximo: a nora Deise Moura dos Anjos.
Entre as revelações, Zeli contou sobre um ponto que, para a investigação, faz parte da motivação do crime: uma suposta tentativa de Deise de afastar todas as pessoas que eram próximas do marido.
— Desde o início, ela quis descartar as mais chegadas. A primeira coisa que ela fez foi com a Tati (uma das vítimas de envenenamento), prima mais chegada ao Diego. Depois, a Regina, que era a tia mais chegada. Ela já começou a descartar — diz.
— E foi indo por eliminatória. E ela foi descartando assim, sabe, aos pouquinhos, os amigos também. O melhor amigo dele, que ele tinha desde os três anos, que é compadre dele, trocados, eles são padrinhos da filha e eles são padrinhos do filho dele, enquanto ela não conseguiu separar eles, ela não sossegou, fazendo fofoquinha, fazendo intriguinha e briguinha — completa.
Depois, no entendimento de Zeli, Deise mudou a estratégia: além de "descartar" das relações, decidiu eliminar a vida de quem se aproximasse do marido.
O advogado que representou Deise dos Anjos — apontada na sexta-feira (21) como a responsável por mortes por envenenamento de familiares —, Cassyus Pontes, diz que sua cliente "estava sendo investigada por um fato, ainda sem relatório final, já com uma condenação por parte de uma instituição do Estado" e afirmava "que jamais colocou na farinha, que jamais usou no suco" o veneno encontrado pela perícia.
— São questionamentos que vão ficar eternamente. E nenhuma investigação, nenhuma decisão, nesse momento, vão mudar essa realidade — afirma o advogado.
Confira trechos da entrevista que foi ao ar no programa especial da RBS TV, o RBS.DOC, que estreou na noite de sexta-feira (21), com a história do bolo envenenado.
Sequelas do arsênio
Zeli afirma que tem reflexos em seu estado de saúde pela ingestão, por duas vezes, do metal pesado arsênio. Segundo a polícia, em setembro, ela consumiu leite em pó contaminado com o veneno — ocasião que resultou na morte do marido, Paulo dos Anjos. E, depois, novamente em dezembro.
— Do joelho para baixo, está muito dormente, eu não tenho sensibilidade nenhuma. Não posso ficar em pé sozinha e nem caminhar sozinha. Nas pontas dos dedos, também. Tipo, pegar uns comprimidos, não consigo direito. Mas é só — declarou.
Ela acredita que as sequelas são consequência da ingestão do bolo — e não da situação anterior:
— Em setembro, depois que eu vomitei bastante, fiz um soro. Eu fiquei bem, não sei se foi por me ocupar do Paulo, que aí não fiz mais nada, nem me lembro de mim. Mas eu fiquei bem. Não tive mais nada.
Ela conta, ainda, que todos comeram apenas "um pedacinho do bolo", nas vésperas do Natal:
— E daqui a pouco a gente já começou a passar mal. Foi bem rápido — diz, complementando:
— Ninguém comeu uma fatia, porque eram as fatias fininhas, eu tinha cortado todas as fatias fininhas. Aí todo mundo foi pegar um pedacinho para ver o gosto que estava.
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Demora para tomar antídoto
Zeli diz que iniciou o tratamento com o antídoto para o arsênio no dia 15 de janeiro, mais de 20 dias após ingerir o medicamento. A explicação que recebeu é de que não havia a solução pronta no Rio Grande do Sul e precisou ser preparado através de um laboratório de manipulação específico em outro Estado.
— Demorou bastante. Aí eu tomei 10 dias, né? Quarenta comprimidos. Aí como agora ainda deu muito alta (a incidência do arsênio) na urina e já baixou no sangue, mas precisa de igual, vou tomar de novo — detalhou.
A Secretaria Estadual da Saúde disse que "logo que foi identificado o agente causador da intoxicação foi orientado imediatamente o uso do antídoto e solicitado o medicamento, porém devido dificuldade de conseguir o insumo utilizado e à logística para envio do medicamento, o uso do antídoto demorou alguns dias para ser realizado, mas foi o mais breve possível".
Nora sempre foi "uma pessoa má"
Zeli afirma que considerava inconcebível que Deise pudesse assassinar membros da família, apesar de considerar a suspeita "uma pessoa má":
— Eu sabia que ela era má, que ela fazia maldades, que dizia coisas das pessoas quando estava com raiva. Ela ficava com raiva por muito pouca coisa. Mas nunca (achei) que fosse chegar a um nível desses. Nunca! Nunca!
Zeli chegou a ser alertada por outras pessoas sobre o comportamento estranho de Deise após a morte de Paulo. Familiares orientaram ela a fazer testes no cadáver, enquanto Deise, sem explicação aparente, dava sugestões de que os restos mortais fossem cremados.
Zeli afirma que "não quis acreditar no que várias pessoas falavam". E diz que, apesar de saber do comportamento da nora, não entende o motivo de acontecer tudo isso.
— Inveja do quê? Ciúme do quê? Ela é nova, bonita, trabalhava, tinha tudo de bom, não precisava de nada. Eu não tinha nada melhor que ela.
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Paulo disse para Deise que ela seria a filha que o casal não teve
Zeli dos Anjos recordou um momento chave na relação do casal com a nora. Foi no casamento de Deise e Diego. Segundo ela, o sogro deixou claro que estava aberto a recebê-la com todo o amor na família e tratá-la como uma pessoa do próprio sangue, uma dos Anjos:
— O Paulo disse pra Deise que ela ia ser a filha que nós não tivemos (...) E ela podia ter sido tão amada, tão querida. Só que desde o início ela quis já começar a descartar as mais chegadas.
O convite carinhoso logo se percebeu impossível de ser cumprido. Isso porque, de acordo com Zeli, a nora arranjava briga com todos que se aproximavam. Os motivos eram variados, mas sempre envolviam alguma pequena confusão, que escalonava para textões em aplicativos de mensagens e, depois, se tornavam uma grande tempestade.
É nesse ponto da conversa que Zeli recorda do que chama de "tentativa de descartar" as pessoas próximas de Diego por parte da esposa dele. Nem o melhor amigo e compadre foi poupado.
— Ela disse: "Ele (Diego) só está feliz quando está com o André, ah, ele só está feliz quando ele está com a mãe dele, ah, ele conversou mais com a mãe dele em uma tarde do que conversou comigo em 20 anos" — relembra.
Visitas de Deise à UTI
Zeli lembra das várias visitas que a suspeita do crime fez a ela durante o tempo em que esteve internada no hospital:
— Ela foi na UTI mais de uma vez. Ela foi me visitar normal. Normal, normal. Dizia: "Tu já vai ficar bem, não foi nada". E ficava de mão comigo.
Deise chegou a ficar sozinha com a sogra. Vítima e suspeita de envenenamento, lado a lado, sem supervisão.
— (Deise dizia) Te amo, te adoro. Ela queria porque queria ficar comigo — se assusta.
Zeli ainda recorda do episódio em que Deise levou pastel, doces e suco para ela no hospital. Naquele dia, já havia a informação sobre o envenenamento por arsênio, e todos os produtos foram descartados. Ela não acredita que havia veneno nos alimentos, porque foram trazidos por Deise e Diego após irem comer um lanche em uma padaria. Em 12 de fevereiro, a perícia confirmou que os produtos não estavam contaminados.
Choro e futuro
Durante a entrevista, Zeli só chorou uma vez. Foi quando falava sobre a necessidade de seguir firme após perder as "quatro pessoas mais próximas".
— Um dia atrás do outro, pensando que meu neto precisa também, meu filho também e a minha família também. Minha família que sobrou é a família do Paulo, né?
Ela enche os olhos d'água, é tomada pela emoção e finaliza o raciocínio.
— Eu não tenho nem pena, nem raiva, nem ódio, nem sei dizer que tipo de sentimento. Mas quando eu penso que ela tirou as quatro pessoas mais importantes da minha vida, praticamente de uma vez só, não tem como não pensar dessa forma — desabafa.
Depois da revelação de tudo que ocorreu, o desejo da família era que Deise deixasse de se chamar de "dos Anjos" e fosse retratada pela imprensa apenas como Moura. Mas isso só caberia a Deise decidir, já que não há previsão legal de remoção forçada de nome.
Zeli, que começou a entrevista com um sorriso, terminou comovida por tudo que lembrou. Pediu ajuda para levantar e mostrar a dificuldade dos movimentos.
Ao final, deu um abraço e se despediu. Foi quando o filho dela chegou para buscá-la e levar de volta para a casa de Arroio do Sal, onde tenta organizar os pensamentos depois de tudo que viveu.