O Rio Grande do Sul encerrou 2024 com os menores números de homicídios da história, segundo divulgados nesta sexta-feira (17) pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado. Pela segunda vez consecutiva, o Estado apresentou os menores números dos chamados crimes violentos letais e intencionais (CVLIs). Boa parte da redução é puxada pela queda dos assassinatos em municípios da Região Metropolitana que já foram considerados os mais violentos.
Três cidades da Grande Porto Alegre, que já estiveram nesse patamar, alcançaram um marco de segurança no ano passado. São Leopoldo, Novo Hamburgo e Gravataí encerraram 2024 com taxas de assassinatos inferiores a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso significa que essas três cidades apresentaram uma média anual abaixo daquilo que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera como epidêmica.
O município que encerrou o ano com o melhor resultado foi São Leopoldo, no Vale do Sinos, onde 17 assassinatos foram registrados — o que leva a uma taxa de 7,8, considerando que a população do último Censo, de 2022, era de 217.409 habitantes. Logo depois, está Novo Hamburgo, na mesma região, com 18 homicídios e taxa de 7,9 para cada 100 mil. Em terceiro lugar, aparece Gravataí, na Região Metropolitana, com taxa de nove assassinatos a cada 100 mil moradores.
Historicamente, essas três cidades tiveram períodos nos quais apresentaram números bastante elevados de homicídios. Em 2017, por exemplo, ano em que a Grande Porto Alegre vivia o ápice da violência, com ataques a tiros, esquartejamentos e outras barbáries cometidas pelo crime organizado, Gravataí teve 168 homicídios em um ano. A título de comparação, isso é seis vezes mais do que o registrado no ano passado, quando foram 24 vítimas de assassinato.
Em fevereiro daquele ano sangrento, por exemplo, quatro pessoas da mesma família foram executadas a tiros no bairro Cruzeiro, em Gravataí. Entre as vítimas da chacina estavam um menino de apenas seis anos. A irmã adolescente, de 17 anos, o pai e a avó da criança também foram assassinados. A polícia concluiu que os criminosos pretendiam, na verdade, executar um homem, que não foi encontrado. Ainda assim, dois bandidos começaram a disparar indiscriminadamente em quem estava no local.
Dizimaram a família, que não tinha nenhum envolvimento com a criminalidade, e se preparava para comemorar o aniversário de sete anos do garoto. Dois anos antes, a polícia havia descoberto no município o caveirão da morte — um veículo que havia sido adaptado pelos criminosos do bairro Morada do Vale II. O carro, com chapas metálicas e uma espécie de câmara de tortura, contava até com canaletas por onde escoava o sangue das vítimas.
Em São Leopoldo, o ano mais violento foi 2014, com 122 vítimas de homicídio. Os anos seguintes também registraram altos números de assassinatos, boa parte deles vinculados ao crime organizado. Um dos casos emblemáticos aconteceu em novembro de 2018, quando Gabriel Minossi, 19 anos, foi confundido com um criminoso dentro do Hospital Centenário, em São Leopoldo, enquanto se recuperava de um acidente de trânsito.
Bandidos invadiram a casa de saúde armados e adentraram o quarto onde estava o jovem. Dispararam repetidas vezes na direção da cama dele, onde acreditavam que estava um rival. O verdadeiro alvo — um criminoso rival dos atiradores — havia sido transferido de leito horas antes.
Já em Novo Hamburgo o maior número de homicídios foi registrado em 2012, com 94 mortos. Em dezembro do ano seguinte, a poucos dias do Natal, um menino de seis anos brincava em frente de casa, no bairro Santo Afonso, quando foi alvejado por atiradores. Segundo a polícia, os bandidos passaram na rua atirando, para se vingar de um desafeto, que havia saído do presídio há poucos dias, e morava nas proximidades.
Mapeamento e integração
Essa realidade começou a se alterar há seis anos. Em fevereiro de 2019, São Leopoldo, Gravataí e Novo Hamburgo apareciam entre os 18 municípios selecionados pelo governo do Estado para receber ações prioritárias do programa RS Seguro, de enfrentamento à violência. Isso porque essas cidades representavam juntas a maior parte dos crimes violentos registrados em território gaúcho. Desde então, uma série de medidas foi adotada para tentar conter a criminalidade nessas áreas.
Uma das principais mudanças trazidas pelo RS Seguro foi passar a tratar os dados estatísticos como essenciais para compreender a realidade de cada local e definir ações de controle da criminalidade. O mapeamento e a análise dos dados se tornaram rotina entre as forças de segurança. Outra aposta foi incentivar e criar espaço para que a integração entre as polícias acontecesse de forma mais efetiva, não só na teoria.
— O diferencial do nosso Estado é a integração. Há um gasto de energia de todas as instituições no mesmo sentido. É isso que tem feito com que os resultados estejam chamando a atenção e tenhamos reduções num espaço tão curto de tempo — avalia o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Douglas Soares.
Há uma metodologia. Quando se acende o alerta num determinado município, já se busca uma ação de resposta. Isso começa a acontecer através do programa RS Seguro.
CORONEL DOUGLAS SOARES
Subcomandante-geral da Brigada Militar
A queda dos indicadores na Região Metropolitana, que se iniciou ainda em 2019 e seguiu nos outros anos, passou a puxar a redução em todo o Estado. Quando se amplia o olhar para outros municípios da Grande Porto Alegre que também estavam entre os mais violentos, percebe-se que, junto com a Capital, cidades como Alvorada, Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Viamão representavam historicamente metade dos homicídios registrados no RS — em 2014 isso chegou a 54%. Essa realidade se alterou ao longo dos últimos anos. A redução se iniciou ainda em 2019, quando caiu para 39%, e seguiu ano a ano. Em 2023, esses municípios representaram cerca de 30% dos assassinatos no RS.
Alvorada, que já foi considerada a sexta cidade mais violenta do Brasil, chegando a 210 homicídios num ano, também viu a realidade mudar nos últimos anos e encerrou 2024 com 35 vítimas de assassinato.
Essas cidades sempre foram o termômetro do Estado, puxando os indicadores. Nesse melhor ano, dessas sete cidades, pela primeira vez três delas estão dentro do índice da ONU, que é um índice de países desenvolvidos. Gravataí hoje é uma cidade desenvolvida nesse aspecto de enfrentamento aos homicídios. Da mesma forma, Novo Hamburgo e São Leopoldo.
MARIO SOUZA
Diretor do Departamento de Homicídios (DHPP)
Já Porto Alegre, por seis meses no ano passado ficou abaixo do índice ONU. A Capital encerrou o ano com 161 pessoas assassinadas e taxa de 12 homicídios para cada 100 mil habitantes.
— Porto Alegre ficou muito perto desse índice. Uma capital que num histórico nunca tinha chego perto disso — analisa o diretor do Departamento de Homicídios (DHPP), delegado Mario Souza.
Resultados no RS
Durante a divulgação dos indicadores de criminalidade, nesta sexta-feira (17), o governador Eduardo Leite falou sobre a redução da taxa de homicídios no Estado nos últimos anos e disse que o intuito é buscar alcançar o índice ONU nos próximos.
Em 2024, o RS encerrou o ano com 15,5 homicídios para cada 100 mil habitantes — em 2023 estava em 18,5. No comparativo com 2017, período de ápice dos crimes violentos, a redução da taxa foi ainda maior, já que era de 31,5.
Esse é um indicador importante para a segurança pública e devemos persegui-lo para ficarmos abaixo dos 10 homicídios para cada 100 mil habitantes.
EDUARDO LEITE
Governador
Medidas adotadas com o RS Seguro
- Integração entre órgãos da segurança
- Mapeamento e análise de dados de onde acontecem os crimes
- Isolamento de lideranças de facções criminosas
- Reuniões regulares para avaliar desempenho e traçar soluções
- Reforço no efetivo e equipamentos
Protocolo
Ainda que as mortes tivessem caído, percebia-se que as disputas pelo tráfico de drogas seguiam sendo o principal responsável pelos homicídios — 80% deles na Capital, por exemplo. Em razão disso, há dois anos uma nova estratégia passou a ser adotada, somando-se ao que já vinha sendo implementado.
Capitaneado pelo DHPP, um protocolo de enfrentamento aos homicídios cometidos pelo crime organizado passou a ser aplicado em Porto Alegre e em municípios da Região Metropolitana. A mesma medida passou a ser adotada pelo governo do Estado em novembro do ano passado, para ser replicada em outras cidades gaúchas.
Essa estratégia segue uma escala de medidas, que se inicia com a saturação da área onde ocorre o crime, que é realizada por meio da presença policial, as operações policiais voltadas àqueles grupo que estão por trás das execuções, com investigações direcionadas aos assassinatos e também crimes conexos, como a lavagem de dinheiro, e a responsabilização dos mandantes e lideranças. Integram ainda essa estratégia as revistas realizadas nas casas prisionais. São responsáveis por executar as medidas a Brigada Militar, a Polícia Civil e a Polícia Penal, com apoio do Ministério Público e Poder Judiciário.
Dissuasão focada
Já aplicada nos Estados Unidos, a teoria da dissuasão focada tem como uma das premissas fazer as ordens de execuções nas ruas, muitas vezes vindas de dentro das cadeias, cessarem. Para isso, é preciso que as lideranças estejam cientes das penalidades que sofrerão caso os crimes continuem acontecendo. A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova York. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.
Aqui no RS, uma estratégia baseada na mesma técnica foi adotada em Pelotas, dentro do programa Pacto pela Paz, em 2017. No município do sul do RS, despencaram os assassinatos, e especialmente as mortes daqueles de menor idade. Até então, adolescentes e jovens figuravam dos dois lados da mesma guerra, entre os que mais puxavam o gatilho e os que mais morriam.
Sete ações
- Saturação da área do crime
- Ações pontuais e responsabilização das lideranças por crimes
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro
- Revistas em casas prisionais
- Responsabilização de lideranças por homicídios
- Transferências de líderes para penitenciárias estaduais
- Transferências de líderes para penitenciárias federais