No último dia 8 de janeiro, Maria Marta da Silva Domingues fez aniversário. No dia seguinte, 9, seria o aniversário de 29 anos da filha, Sarah Silva Domingues. Contudo, diferente dos anos anteriores, dessa vez não teve festa.
No dia 23 de janeiro de 2024, Sarah, que era estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi até a Ilha das Flores, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre. Ela fazia uma pesquisa para o trabalho de conclusão de curso (TCC), quando foi morta a tiros.
Sarah estudava os alagamentos nas ilhas em razão das chuvas na Capital. Ela tinha o sonho de usar a profissão para ajudar aquelas pessoas.
Por volta das 19h30min, Sarah estava na Rua do Pescador quando foi atingida por tiros disparados por homens que passaram pelo local em uma moto. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado, mas ela não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Ela foi assassinada com arma de uso restrito, o Estado tem responsabilidade pela morte da minha filha...é difícil lidar com as saudades que ficam. Janeiro era o mês do aniversário dela, e agora não podemos mais comemorar, me sinto arrasada...
MARIA MARTA DA SILVA DOMINGUES, 53 ANOS
Mãe de Sarah
O alvo da emboscada que vitimou a estudante seria Valdir dos Santos Pereira, 53, dono de um mercadinho que funcionava no local. Ele também foi morto no mesmo ataque. A apuração da polícia apontou que o motivo seria uma desavença do comerciante com membros de uma facção criminosa, que ordenaram a execução. A investigação apurou, contudo, que nenhuma das duas vítimas tinha ligação com o crime organizado.
Processo em fase de citação
Passado um ano do crime, quatro pessoas são rés pelo ataque que resultou na morte de Sarah e três delas estão presas. Leonardo da Silva Mallet, conhecido como Giggio, está preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Irineo Lopes Kaiper e Jessé Gonçalves Kaiper estão detidos no Complexo Prisional de Canoas. Já Clarice da Silva Mallet responde em liberdade.
Os quatro vão responder por duplo homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas, além do crime de emprego de arma de fogo.
O processo está em fase de citação e apresentação da resposta à acusação por parte dos réus. Ainda não há data marcada para a primeira audiência.
A mãe da jovem, Maria Marta da Silva Domingues, 54, diz que se sente triste tanto pela demora do julgamento, quanto por saber que há pessoas envolvidas na morte da filha que seguem em liberdade.
A reportagem busca contato com as defesas dos réus, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Inquérito e prisões
Responsável pela investigação do caso, o delegado Eric Seixas Dutra, titular da 2ª Delegacia de Homicídios da Capital, lembra dos passos da Polícia Civil até a conclusão do inquérito, que foi remetido ao Judiciário em novembro de 2024:
— A equipe policial realizou diversas oitivas de testemunhas, arrecadou imagens das redondezas do local do fato. Ao longo da investigação também foi representado pelas quebras de sigilos de dados telefônicos e pelas prisões dos indivíduos suspeitos. As representações requeridas foram deferidas e, para o cumprimento dessas ordens, foi deflagrada a operação "Flor de Lótus" — pontua o delegado.
No dia 6 de fevereiro do ano passado, seis suspeitos pelo crime foram presos em Porto Alegre e na Região Metropolitana, no âmbito da Operação Flor de Lótus. A suspeita era de que, ente os presos, estariam o mandante do assassinato e dois executores do crime.
O inquérito policial apontou que o crime foi premeditado. Conversas encontradas em celulares apreendidos revelaram o plano dos suspeitos:
— Após minucioso trabalho da equipe de investigação através de inúmeras diligências e análises de celulares e cruzamento de dados, apurou-se que o crime foi premeditado e que o "pano de fundo" do delito gira em torno de uma antiga desavença familiar existente entre a vítima Valdir e os indivíduos mandantes do crime — diz Dutra.
Trajetória
Natural da cidade de Cotia, no interior de São Paulo, Sarah viveu a maior parte da vida com a mãe e os três irmãos em Campo Limpo Paulista. Ainda criança, aos sete anos, perdeu o pai.
Quando decidiu estudar Arquitetura e Urbanismo, fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tentou uma vaga na Universidade de São Paulo (USP). Com a resposta negativa, decidiu tentar uma oportunidade na UFRGS, onde foi aprovada.
Mesmo sem conhecer o Rio Grande do Sul, em 2015 Sarah se mudou para Porto Alegre e iniciou os estudos. Ela estava nos semestres finais do curso quando foi assassinada. A mãe conta que ajudou a filha no que pôde, mas diz que Sarah era determinada e nunca desistia dos seus objetivos.
Na graduação, ela passou a integrar o movimento estudantil e chegou a ser diretora do Diretório Central Estudantil (DCE) da UFRGS. Ela e o namorado planejavam se casar. Após sua morte, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura (Dafa) foi renomeado para "DAFA Sarah Domingues - UFRGS".