Quando prestou concurso para a Polícia Civil, Daniel Abreu Mendes queria trocar a rotina das prisões no interior de Goiás pela investigação de crimes no Rio Grande do Sul. Nomeado escrivão em 9 de maio de 2023, Daniel teve a vida abreviada no alvorecer desta terça-feira (21), alvejado por dois tiros disparados por um adolescente.
Aos 40 anos, Daniel integrava uma operação concebida para desbaratar o tráfico de drogas em Butiá, na Região Carbonífera. No total, eram 60 policiais encarregados de cumprir mandados judiciais em nove endereços. O alvo da equipe do policial, uma mulher de 26 anos, era considerado o mais complexo e perigoso por morar com uma criança e supostamente ter enterrado, nos fundos da casa, tonéis cheios de entorpecentes.
Após uma reunião de orientação em um CTG da cidade, o policial rumou com seis colegas para um chalé de madeira com fachada esburacada por tiros, no Bairro Charrua. Daniel se identificou como polícia, pedalou a porta e foi o primeiro a entrar no imóvel. Quando o escrivão passava pela porta do quarto, um rapaz de 17 anos apertou o gatilho de uma pistola 9mm com seletor de rajadas.
Num só disparo, saíram cinco projéteis. Um atingiu o lado direito do tórax e outro, o pescoço. Os colegas revidaram, e uma criança de seis anos, filha da mulher, foi ferida de raspão na cabeça. Daniel ficou caído e recebeu primeiros socorros no local, mas morreu a caminho do hospital.
Quem era o policial morto
Nascido em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, Daniel atuava como agente penitenciário em Luziânia, cidade goiana a 63 quilômetros de distância. Juntos, ele e o amigo Bruno Fagundes Queiroz prestaram concurso em 2018. Queiroz foi chamado primeiro, em 2021, e Daniel dois anos depois.
Seu primeiro destino em território gaúcho foi Tapes, no sul do Estado, onde permaneceu até fevereiro do ano passado. Em busca de uma cidade maior e de maior convívio com o amigo, ele conseguiu transferência para Guaíba, na Região Metropolitana.
Com a mudança, trouxe a esposa e a filha do Distrito Federal e comprou um apartamento quase em frente à delegacia. Formado em Tecnologia da Informação, consertava os computadores da repartição e se dispunha para atuar nas operações de rua, mesmo tendo um cargo de serviço interno. Na enchente de maio, Daniel não teve a casa alagada, mas praticamente se mudou para a delegacia, primeiro atuando no resgate dos flagelados e depois coibindo saques nos municípios da região.
— Daniel era um cara extraordinário, muito profissional e sempre disposto a ajudar todo mundo. Flamenguista, tocava violão e cantava nos churrascos, adorava pescar. Vai fazer muita falta — conta Queiroz.
Segundo o amigo, Daniel era fã de música sertaneja.
Homenageado pelos colegas no Memorial de Honra erguido no Palácio da Polícia em memória a agentes mortos em serviço, Daniel terá o corpo levado para Brasília no final da tarde, em um avião King Air da Brigada Militar. O velório será na cidade natal, onde a esposa e a filha de 15 anos estão passando as férias.
Adolescente apreendido
O adolescente que efetuou os disparos foi apreendido e a mulher, alvo da operação, presa em flagrante. Na casa foram apreendidos um revólver calibre .32 e um colete balístico, além da pistola usada no crime e peças de drone. Não havia tonéis enterrados no pátio, apenas um pequeno pote de talheres com cocaína e crack.
Segundo a Polícia Civil, o adolescente já havia sido detido por outro ato infracional análogo a homicídio, cometido contra uma adolescente em 2023. O suspeito estava em liberdade assistida e estaria envolvido com o tráfico de drogas e o conflito entre facções na região, conforme o chefe de polícia, delegado Fernando Sodré. O adolescente foi liberado em dezembro do ano passado.