Maria Rita Lopes, 58 anos, mudou-se da Capital há três anos, após ser vítima de um assalto, no bairro Ponta Grossa, na Zona Sul. Foi atacada e agredida por um ladrão no mesmo dia em que havia comprado um celular novo. Aquele era o terceiro roubo sofrido pela família — as duas filhas já tinham sido assaltadas. Foi o estopim para que decidisse retornar a Santa Catarina, seu Estado natal. Em 16 de novembro do ano passado, a violência alcançou a zeladora, em Balneário Gaivota, no litoral catarinense, onde reside atualmente.
Naquela manhã, Maria Rita soube que a filha Camilla Lopes Fruck, 25 anos, havia sido morta em Porto Alegre, com um disparo de arma de fogo na cabeça. A jovem estava dentro de um veículo, com amigos, na Esplanada da Restinga, na Zona Sul, quando se iniciou um tiroteio entre criminosos. O segurança de um ponto de tráfico disparou contra rivais e, segundo a polícia, alvejou o carro onde estava a jovem. Ao ouvir os disparos, Camilla se abaixou, junto de duas amigas, no banco traseiro. Em determinado momento, levantou a cabeça e foi baleada.
— Foi a pior notícia da minha vida. Estão sendo os piores dias da minha vida. É uma dor que não desejo para o pior inimigo. É revoltante — desabafa a mãe.
Camilla cresceu na Zona Sul, onde morou com a mãe até se mudar para o bairro Belém Novo. Solteira, vivia com a cachorra Pandora, uma pitbull que vivia grudada com ela.
— A Camilla era intensa. Ela era muito alegre. Tinha planos. Queria viver. Se preocupava comigo, com as irmãs — recorda a mãe.
A jovem chegou a iniciar a faculdade de enfermagem, mas precisou trancar os estudos por falta de dinheiro. Em novembro, havia conseguido ser aprovada para um emprego numa loja, onde deveria começar a trabalhar na semana seguinte. No dia 12 daquele mês, visitou a mãe em Santa Catarina, junto da irmã mais nova, Juliana, 20 anos. Maria Rita insistiu mais uma vez para que as filhas fossem viver com ela, a 226 quilômetros de Porto Alegre.
— Mãe, talvez eu venha morar contigo no começo do ano — prometeu Camilla.
Maria Rita se emociona ao repetir a promessa da filha, que não se concretizou. Aquela foi a última vez que as duas se viram pessoalmente.
— Foi cruel o que fizeram. É inadmissível perder uma filha assim. Parece que ela não partiu, que está em Porto Alegre, e eu estou aqui. Está caindo a ficha devagarinho, não estou acreditando ainda — diz.
Atirador preso
Em 19 de novembro, a polícia prendeu em Butiá, na Região Carbonífera, o suspeito de ter alvejado a jovem. Ele foi identificado pela investigação da 4ª Delegacia de Homicídios da Capital.
Segundo a polícia, o homem é integrante de uma facção que atua na área da 1ª Unidade, no bairro Restinga. O crime ocorreu durante tiroteio entre dois grupos criminosos. Interrogado sobre a morte de Camilla, ele optou por permanecer em silêncio.
Após a prisão do suspeito de ser o atirador, a polícia seguiu investigando o caso para identificar outras pessoas que possam ter envolvimento no crime. Em paralelo, a investigação continua para apurar qual o envolvimento dos chefes dos grupos criminosos nesse tiroteio.
A Polícia Civil diz que a investigação está adiantada e que aguarda, no momento, por ordens judiciais.
Paulinho, morto a poucos metros de casa
Cristiano da Silva Maria, 54 anos, o Paulinho, como era conhecido na comunidade, saiu de casa, na tarde de 15 de janeiro, na 1ª Unidade da Restinga, carregando uma trena, para medir o portão de um vizinho. No trajeto, parou para conversar com outro morador, na Rua Vicente Souza. Foi quando um veículo vermelho se aproximou com três criminosos dentro. Os atiradores, que já tinham circulado pelas ruas do bairro, desembarcaram atirando.
Durante a confusão provocada pelo tiroteio, assustado, Paulinho correu na direção do veículo onde estavam os bandidos. Os atiradores seguiam disparando tiros de pistola calibre 9 milímetros e de espingarda calibre 12. O trabalhador foi alvejado e caiu morto sobre a grama na calçada. Segundo a polícia, a vítima não tinha nenhum envolvimento com grupos criminosos. A Brigada Militar passou a fazer buscas e apreendeu dois adolescentes e um revólver, mas eles não teriam vínculo com a execução.
Há cerca de uma década, Paulinho tinha se convertido como evangélico. Desde então, mantinha uma rotina tranquila, dividindo-se entre o trabalho como auxiliar de cozinha num hospital, os cultos na igreja e a convivência com os filhos. Separado, era pai de cinco jovens, mas atualmente residia sozinho, na casa que havia sido da mãe dele, já falecida.
Foi ali que Paulinho cresceu, na comunidade da Restinga. Quando ainda não havia ingressado na nova religião, costumava ser frequentador assíduo dos carnavais. Desfilou diversas vezes na Estado Maior da Restinga.
— Ele era muito alegre. Falante. Uma pessoa do bem — recorda uma moradora.
Durante a pandemia e o período das enchentes, era frequente ver Paulinho em sua bicicleta distribuindo alimentos para outras famílias. Costumava se oferecer para ajudar os vizinhos com as atividades de casa. A perda de Paulinho consternou a comunidade.
— Quando é alguém envolvido, a gente sabe que pode acontecer. Mas morrer alguém assim... A comunidade está com medo. Essa guerra está matando inocentes — diz outra moradora.
A reportagem entrou em contato com a família de Paulinho, que optou por não se manifestar.
Segundo a polícia, a morte do morador aconteceu em meio às disputas de facções. Uma arma apreendida pela Brigada Militar passa por perícia, para verificar se pode ter sido usada no crime. Conforme o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), a investigação está adiantada em relação aos autores.
Carlos Alberto, vítima de tiroteio em bar
Há três anos, Carlos Alberto Machado, 72, comemorou a cura de um câncer no rim. Numa fotografia, registrada ainda no hospital, o idoso sorri e faz o sinal de vitória. A imagem agora está estampada numa camiseta junto da frase que se inicia com "A saudade vai ser eterna". Na tarde de segunda-feira, 30 de dezembro, ele estava no bairro Passo D'Areia, nas proximidades do Viaduto Obirici, na zona norte da Capital, quando foi alvejado durante um tiroteio.
Viúvo, Carlinhos, como era conhecido, deixou uma filha, cinco netos e 13 bisnetos. O gráfico aposentado, que passou a vida na Vila do IAPI, chegou a ser socorrido ao Hospital Cristo Redentor, onde ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A morte ocorreu no início da madrugada do dia 31 de dezembro.
— Não está sendo fácil. A forma como ele faleceu, de um jeito tão triste... Depois do câncer, de ter se curado — lamenta a filha, Viviane Silva Machado, 48 anos.
Seu Carlinhos foi alvejado durante uma troca de tiros num bar que costumava frequentar na Avenida Brasiliano Índio de Moraes. Na mesma ação, outros dois homens morreram no local. Segundo a polícia, um atirador invadiu o estabelecimento armado e matou Dionas de Andrade Borges. Um policial militar de folga presenciou a ação, reagiu, e matou o executor. Nesse ínterim, o idoso foi alvejado no abdômen no momento em que tentava deixar o bar.
— Fico imaginando o desespero dele, saindo dali, correndo. As outras pessoas conseguiram se esconder. Ele correu para fora, tentou sair. E foi onde pegou os tiros — diz a filha.
De acordo com a polícia, foram ouvidas testemunhas do crime, entre elas o proprietário do bar, e coletadas imagens de câmeras de segurança. O policial militar, conforme a investigação, estava de folga no bar conversando com um amigo, quando percebeu o ataque do atirador e reagiu. Tanto a arma do policial como a pistola de calibre 9 milímetros do criminoso, que foi morto, foram recolhidas e encaminhadas para a perícia.
A suspeita é de que o crime esteja vinculado ao tráfico. Drogas foram apreendidas junto ao corpo de Dionas, que já tinha antecedentes por tráfico, além de porte irregular de arma de fogo. O soldado da BM, que reagiu e matou o executor, foi ouvido pela investigação. A polícia ainda apura se o disparo que matou o idoso partiu da arma do atirador ou do policial militar.
No dia 25 de fevereiro, seu Carlinhos deveria completar 73 anos. Viviane, que já planejava a comemoração em grupo, agora lida com a falta do pai:
— A gente sempre comemorava, comprava bolo, fazia churrasco. O aniversário dele nunca faltou. Agora vai ser o dia mais triste.