Em 16 de novembro do ano passado, uma jovem de 25 anos foi morta com um disparo na cabeça na Esplanada da Restinga, na zona sul de Porto Alegre. A bala perdida, que transfixou o veículo onde ela estava, foi disparada de um revólver, que, segundo a polícia, estava na mão de um segurança do tráfico, de 19 anos. Enquanto trocava tiros com rivais, ele teria disparado na direção do carro, onde estava a vítima e amigos, sem nenhuma relação com o crime.
O envolvimento de jovens com o crime organizado é um dos desafios a serem enfrentados no combate à criminalidade, que faz vítimas inocentes, sem vínculo com as disputas. Consultor em Segurança Cidadã no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o gaúcho Alberto Kopittke pondera que houve redução nos homicídios nos últimos anos na Capital — em razão de medidas adotadas pelas forças de segurança — e defende que, para evitar que casos como esse se repitam, é o momento de investir em novas ações, dessa vez com foco preventivo dentro das comunidades conflagradas pelo tráfico de drogas.
— No período de 2010 a 2017, houve um crescente na criminalidade. Jovens de gangues e jovens que não eram desses grupos morriam ainda mais. Era algo muito acelerado. Isso foi estancado. Agora é o momento decisivo, entrar com a nova etapa de programas nesses territórios. É preciso quebrar o ciclo de cooptação de jovens por esses grupos. Eles não vão deixar de existir, mas a gente tem que cortar esse fio. E tem que ser todo mundo junto. Os municípios têm papel central, e o Estado, que também é muito importante, pode trazer essas metodologias — analisa o especialista, que está no Equador representando o BID na missão de auxiliar o país vizinho a implementar uma reforma na segurança pública e superar a crise de violência provocada pelo crescimento dos grupos criminosos.
O tráfico de drogas, que coopta especialmente os jovens, segue sendo o maior causador de homicídios no Estado, mesmo com a redução desse crime nos últimos anos. Uma das iniciativas lançadas no ano passado pelo governo é o RS Seguro COMunidade. O projeto tem como foco comunidades que acabam sofrendo mais com a violência. A fórmula é bem conhecida de quem atua em segurança pública: aumentar a presença do Estado, inclusive nos serviços básicos, na intenção de reduzir o controle pelo crime organizado.
Na visão de Kopittke, a medida caminha na direção certa, mas necessita incluir outras ações. Programas voltados para jovens que se encaixam em fatores de risco são apontados como fundamentais.
— É preciso aproveitar essa brecha nos índices e entrar nessas comunidades com grandes programas psicossociais, especificamente para esse tipo de jovem. Não existe ainda no Brasil esse tipo de programa. Cada comunidade sabe de um jovem que está aumentando o nível de risco. A família, os vizinhos, a escola, saúde, assistência, todos sabem. Até que ele vai indo, indo, e chega nesse nível para cometer atos desse — afirma.
Dentro do programa RS Seguro COMunidade, foram escolhidas 17 áreas em oito municípios, chamadas de clusters, a partir da análise de indicadores daquele local. Essas áreas concentraram 18,2% de pessoas mortas ou feridas em crimes violentos no período de 2018 a 2022 dentro das cidades priorizadas pelo RS Seguro. Em muitos desses casos, há envolvimento de jovens, seja como vítimas ou autores.
— Esses grupos acabam sendo formados por jovens cada vez mais novos e com perfil muito agravado. São jovens que, desde a infância, acabaram tendo um conjunto de problemas que vai criando uma personalidade muito comprometida, voltada para cometer crimes violentos. As facções estimulam que esses jovens cometam cada vez mais ataques, e eles vão crescendo dentro do grupo, conforme fazem atos mais brutais. Isso traz, de certa forma, respeito no mundo do crime — explica Kopittke.
Porto Alegre está entre as cidades onde estão previstas ações do programa RS Seguro COMunidade. A Restinga, onde aconteceu a morte da jovem em novembro e de outro morador que teria sido confundido com um traficante em 15 de janeiro, é um dos bairros selecionados pelo programa.
Marcas na comunidade
Ataques violentos, como o ocorrido em 25 de dezembro na Vila Pedreira, no bairro Cristal, também na zona sul, deixando dois mortos e dois feridos, entre eles um menino de cinco anos, atingido por quatro disparos, provocam sequelas nessas comunidades, geralmente já acometidas por outras mazelas.
— Isso marca e provoca muitos danos nos jovens da comunidade. Há estudos mostrando queda no rendimento escolar, problemas de saúde mental ao longo de toda a vida, nos amigos mais próximos e mesmo naqueles não próximos. Além de marcar a comunidade como perigosa. Então, provoca ainda danos econômicos, as pessoas param de sair de casa. São muitos reflexos — afirma.
Em relação aos homicídios cometidos pelo crime organizado, o especialista defende que é preciso manter e fortalecer uma estratégia que já vem sendo adotada na Capital de forma integrada pelas forças de segurança nos últimos anos. Porto Alegre encerrou 2024 com o menor número de homicídios da história. Em resumo, a medida, chamada de dissuasão focada, prevê uma sequência de ações adotadas em escala.
Dentro de um protocolo, estão previstas as práticas integradas, como a saturação de áreas por meio da presença do policiamento, sempre que houver um assassinato ligado às disputas entre facções criminosas, investigações voltadas ao grupo criminoso e, especialmente, a responsabilização de líderes, além das revistas em prisões, operações especiais e contra lavagem de dinheiro.
— A dissuasão é a melhor ferramenta do mundo para reduzir exatamente esse tipo de morte, no curto prazo. É preciso fortalecer a dissuasão e avançar nesses outros programas. Não é simplesmente programa nas comunidades. Não é só programa social, que realmente é bom para a juventude, traz oportunidades, inclusive de trabalho. Mas é mais do que isso. São programas de prevenção à violência baseados em evidências — defende.
Para além disso, Kopittke entende que é preciso olhar para o sistema prisional. Dentro das cadeias, as facções criminosas seguem fortalecidas, dominando galerias e arregimentando novos integrantes. No entendimento do pesquisador, é preciso adotar medidas que ajudem a quebrar esse ciclo da violência.
— Aproveitando as melhorias realizadas no sistema prisional, a gente precisa aprimorar o tema do tratamento penal.