Às vésperas de completar 39 anos, o que acontecerá no dia 10 de janeiro, o prefeito de Parobé, Diego Picucha (PDT), foi alvo de uma ofensiva conjunta da Polícia Civil e do Ministério Público, batizada Operação Confraria, que causou perplexidade: a administração municipal é investigada por supostamente ter retribuído o apoio político de uma facção criminosa do Vale do Sinos com pelo menos 39 contratos que superariam R$ 39 milhões em quatro anos.
As contratações, algumas delas com dispensa de licitação, envolveriam a prestação de serviços públicos em Parobé. As empresas seriam de fachada, em nome de laranjas, e ligadas à facção. O ciclo se encerraria com o pagamento de propina a agentes políticos e lavagem de dinheiro com a aquisição de bens. Em final de segundo mandato, Picucha é um dos investigados (confira abaixo o que ele disse). Mandados de busca e apreensão foram cumpridos na residência dele e na sede do Executivo nesta quarta-feira (18).
Diego Dal Piva da Luz, o Picucha, foi eleito prefeito em março de 2020, após a cassação dos mandatos do prefeito Irton Feller e da vice-prefeita Marizete Garcia Pinheiro, que estavam no poder. A vitória no pleito suplementar garantiu a Picucha um mandato tampão de nove meses. Os relatos na política da cidade de 52 mil habitantes, no Vale do Paranhana, são de que, neste curto período, a gestão transcorreu em caráter de normalidade, sem solavancos. Tanto que Picucha foi reeleito, na eleição ordinária de novembro de 2020, com 76,87% do eleitorado, mais de 22 mil votos.
Os problemas teriam começado no segundo mandato, um período cheio de quatro anos. Nessa fase, o prefeito sob investigação acumulou desentendimentos, ocorrências policiais de ameaças, brigas e acusações de perseguição política.
Uma das rupturas aconteceu com Alex Bora (PL), que é vice-prefeito nos dois mandatos. Eles passaram a ter divergência em uma série de assuntos da gestão, incluindo a implementação de uma das políticas consideradas positivas na cidade: a tarifa zero no transporte coletivo. Alex Bora afirmava, à época, ser o proponente da ideia e ficou contrariado pela forma como a empresa prestadora do serviço foi contratada, com remuneração supostamente acima dos padrões de mercado pelo quilômetro rodado.
Após essa e outras querelas, Picucha expulsou Bora aos gritos da prefeitura em setembro de 2022. Os fatos foram registrados em vídeo e ocorrência policial, chegando ao conhecimento da comunidade. O vice-prefeito ficou proibido de acessar os prédios públicos e o seu antigo gabinete. Também teve, mais adiante, o salário cortado por decisão de Picucha. Após recorrer à Justiça, o vice-prefeito obteve uma ordem judicial para voltar a ter o salário quitado.
Em outra ação, foi discutido o direito de o vice-prefeito ter acesso a um ambiente de trabalho na prefeitura. O que aconteceu no desfecho deste caso divide versões. Parte diz que o prefeito montou um gabinete em uma pequena sala na Secretaria da Agricultura para o vice despachar. Outros afirmam que Picucha dispôs o escritório em um banheiro da pasta para o seu companheiro de gestão e desafeto. O vice, sem sucesso judicial nessa disputa, optou por despachar em um gabinete móvel providenciado por ele próprio.
As suspeitas e críticas ganharam vez no debate local. Apesar de Picucha manter maioria na Câmara de Vereadores, cresceram discussões sobre contratações sem licitação ou com suspeitas de direcionamento. Um episódio que ganhou repercussão aconteceu entre Picucha e o vereador Maicon Bora (PL), irmão do vice-prefeito. Em março de 2023, em uma sessão da Câmara, Maicon desferiu críticas ao prefeito pelo suposto uso irregular de um veículo do município. Conforme registrado em boletim de ocorrência, Picucha teria esperado Maicon na saída do Parlamento, verbalizado ameaças e levado a mão à cintura, sugerindo o saque de uma pistola.
A investigação da Polícia Civil e do Ministério Público verificou que, possivelmente, um integrante de facção está lotado em alto cargo em comissão na prefeitura. Os relatos são de que as infiltrações de faccionados teriam acontecido também em funções na Câmara de Vereadores. O ambiente seria de vigilância e pressão. Haveria estratégia adicional de usar redes sociais para enxovalhar adversários e críticos.
O vereador Dari da Silva, atualmente no PT, foi líder do governo tampão de Picucha na Câmara, nos últimos nove meses de 2020. À época, Dari era do PL. Ele confirma que o período inicial foi de tranquilidade. O fio teria virado em 2021, após a reeleição, quando Dari se afastou.
— O determinante foi a perseguição aos servidores públicos. Tem registro policial de professora ameaçada. É uma pessoa autoritária. Tive minha família ameaçada. Usam muita fake news de rede social. Comecei a denunciar o endividamento do município e questões como a compra de terrenos e da iluminação pública, com troca das lâmpadas de mercúrio pelas de LED — diz Dari, listando itens em que avalia serem necessárias investigações para a apuração de eventuais irregularidades.
O vereador, em 2022, concorreu a deputado federal. Ele relata um suposto ambiente de sufocamento de candidaturas não alinhadas no município.
— Não consegui fazer campanha. Fui ameaçado e perseguido — diz ele, evitando detalhar a origem das possíveis perseguições.
O apelido Picucha, adotado na política pelo prefeito Diego Dal Piva da Luz, é uma alusão ao nome do supermercado de um familiar no município. Também dono de mercado, ele conquistou, pelo PDT, o primeiro mandato em 2012: foi eleito vereador de Parobé com 580 votos. Presidiu a Câmara de Vereadores logo na legislatura de estreia e tentou, sem sucesso, um assento na Assembleia Legislativa em 2014.
Perdeu a eleição à prefeitura em 2016, mas venceu o pleito suplementar em março de 2020. Reeleito em novembro de 2020, tomou posse para o segundo mandato e continuou buscando projeção política. Em março de 2023, disputou uma eleição interna no PDT para decidir quem seria o nome do partido para presidir a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), mas acabou em terceiro lugar, atrás de Luciano Orsi (Campo Bom) e Marcelo Maranata (Guaíba).
Em meados de 2024, Picucha assumiu pela segunda vez a Associação dos Municípios do Vale do Paranhana (Ampara).
Na eleição deste ano, quando Picucha não podia mais concorrer à reeleição, o vencedor nas urnas para sucedê-lo foi Gilberto Gomes, também do PDT.
A Operação Confraria apura os delitos de corrupção, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro. Os mandados de busca e apreensão da ofensiva foram autorizados pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Contraponto
A reportagem contatou a assessoria do prefeito Diego Picucha e solicitou entrevista para que ele pudesse apresentar sua versão e se defender das suspeitas. Veja o que ele disse em nota enviada a Zero Hora:
"Sobre a operação do MP realizada hoje, esclareço que:
Não respondo a nenhum processo de improbidade ou corrupção e tenho todas as contas aprovadas.
Além de conter contratos investigados de gestões anteriores, destaco que todos os contratos são públicos e estão disponíveis no Portal da Transparência.
As armas citadas não pertencem à Prefeitura ou à nossa administração.
Não precisamos negociar votos ou favores. Nossa gestão é respaldada pela confiança da comunidade, sendo reconhecida como a melhor do RS por três anos consecutivos e prefeito reeleito de Parobé com quase 80% dos votos, uma marca histórica na cidade.
Seguimos trabalhando em prol da comunidade como sempre fizemos, com a confiança do nosso povo!"