A investigação da Polícia Civil sobre a morte de Alessandra Dellatorre, 29 anos, que desapareceu em São Leopoldo, no Vale do Sinos, em 2022, e teve os restos mortais encontrados em 4 de junho deste ano, concluiu que ela não foi vítima de crime. A advogada sumiu após sair da casa da família para caminhar. O desaparecimento gerou mobilização, até uma ossada ser descoberta numa área militar, em meio à mata, em Sapucaia do Sul. O inquérito será remetido ao Judiciário nesta terça-feira (10).
A localização dos restos mortais — identificados pela perícia como sendo de Alessandra — levou ao início de uma segunda fase da investigação do caso. Essa nova etapa tinha como foco esclarecer como aconteceu a morte da advogada. A análise inicial, tanto do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), como do Instituto-Geral de Perícias (IGP), após a ossada ser achada, já apontava que não havia sinais de que ela tivesse sofrido alguma violência. Isso se confirmou durante a investigação que está sendo encerrada agora.
Alguns elementos embasam o resultado apresentado pela Polícia Civil, como a análise dos restos mortais, que concluiu não haver ossos quebrados ou trincados, que poderiam indicar que a advogada havia sofrido violência. Além disso, apesar do tempo transcorrido, foi possível constatar que Alessandra estava vestida quando morreu, o que não condiz com a suposição de violência sexual. A perícia buscou também outros vestígios que pudessem evidenciar um crime de ordem sexual, mas nada foi achado.
Os restos das roupas da advogada também passaram por análise da perícia, que não encontrou nenhum vestígio de sangue. Caso ela fosse atingida por um golpe de faca, por exemplo, o sangue deveria ficar impregnado nas vestes. Foi realizada ainda perícia no local onde ela foi encontrada para verificar se havia algum indicativo de crime, mas também nada foi localizado.
O inquérito foi encerrado com cerca de 850 páginas, sendo que 350 delas são somente dessa segunda etapa da investigação. Segundo o diretor do DHPP na Região Metropolitana, delegado Rafael Pereira, após o encontro da ossada, a polícia verificou todas as informações que foram recebidas. A testemunha que havia visto Alessandra ingressando na área de mata foi ouvida novamente e reiterou que a advogada estava sozinha. Imagens de câmeras captadas também demonstraram que a advogada seguiu naquela direção andando desacompanhada.
— Nós reinquirimos e essa testemunha novamente afirmou ter visto ela sozinha. Isso foi a última vez em que ela foi vista, ingressando nessa área de mata. Ela foi encontrada a aproximadamente 1,9 quilômetros dali. Afastamos com a investigação qualquer hipótese de que ela tenha sofrido alguma violência — detalha o delegado.
A área onde a ossada foi encontrada fica no perímetro no qual foram realizadas buscas na época. Policiais chegaram a fazer diversas incursões em matagais, inclusive com o auxílio dos bombeiros e de cães farejadores, mas nenhum vestígio foi localizado. Também foram realizadas diligências em municípios vizinhos, sem sucesso. Conforme a polícia, trata-se de uma área densa em alguns pontos. O corpo de Alessandra foi localizado por militares.
A partir dessa localização, a polícia trabalhava com três hipóteses principais: a de que a advogada tenha passado mal durante a caminhada e falecido no local, sem interferência de outra pessoa, a de suicídio e a de que Alessandra pudesse ter sido vítima de um crime. A última foi a única totalmente descartada pela investigação. Em relação às outras duas, não foi possível chegar a uma conclusão.
Causa da morte é incerta
O tempo transcorrido entre a morte de Alessandra e a localização da ossada foi um dos desafios da investigação. Uma série de exames foi realizada, mas a perícia não conseguiu apontar a causa exata da morte, em razão do estado em que já se encontravam os restos mortais. Segundo o IGP, foram produzidos, logo após o encontro da ossada, três laudos periciais. Um deles é o do local da morte, outro é o antropológico, que demonstra a situação em que estava o corpo, e o terceiro o de identificação.
A perícia já havia realizado outras análises envolvendo o caso. Após o sumiço de Alessandra, uma garrafa plástica foi encontrada pelo pai dela dentro de uma lixeira, a partir de imagens de câmeras de rua, que flagraram um trecho da caminhada dela. A advogada descartou o recipiente enquanto se exercitava. Essa garrafa foi encaminhada para análise do IGP.
Essa perícia indicou a presença de uma mistura de substâncias compatíveis com o medicamento Venvanse, utilizado para tratar o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e de uma bebida energética com cafeína, usada em pré-treinos físicos. Não foi possível precisar, no entanto, a quantidade das substâncias. A investigação constatou que Alessandra havia pesquisado em seu celular nomes de diversos venenos, como cianeto de potássio. Mas nenhum veneno desse tipo foi encontrado dentro da garrafa.
Nesse sentido, a polícia concluiu, com base nesse cenário e nos laudos periciais, "que não há qualquer indício de que Alessandra possa ter sido vítima de morte violenta". A conclusão da polícia sobre o caso levou ainda em conta que a advogada tinha um histórico de vulnerabilidade psicológica e emocional. O relatório sobre o caso aponta que Alessandra morreu "em razão de comportamento de risco ao iniciar longa caminhada, em área de mata, provavelmente desorientada, sob a influência de substância medicamentosa", e que isso culminou "em sua morte trágica".
Os principais acontecimentos do caso
Desaparecimento
Aos 29 anos, Alessandra Dellatorre sumiu num sábado, em julho de 2022. Ela saiu de casa por volta das 14h30min para caminhar, vestindo um moletom preto e calça da mesma cor. A advogada deixou em casa o aparelho celular e documentos. Ela levou também uma garrafa, supostamente com uma bebida que costumava tomar antes da atividade. Câmeras de segurança chegaram a registrar parte do trajeto feito pela advogada. Naquele mesmo dia, foi realizado registro do sumiço. A família indicou na ocorrência que ela passava por problemas psicológicos e depressão.
Buscas
Enquanto seguia a investigação sobre o sumiço, a família também se mobilizava, na tentativa de buscar informações sobre o paradeiro de Alessandra. Foram espalhados cartazes com fotos e informações sobre a advogada no entorno de sua casa e em vias movimentadas de São Leopoldo, assim como em municípios da região. Sem respostas, a família chegou a expandir a procura para outros Estados.
Apelos da família
No dia 22 de julho, seis dias após o sumiço, os pais dela divulgaram um vídeo nas redes sociais. Eduardo e Ivete Dellatorre solicitavam ajuda para encontrar a filha e agradeciam as autoridades e pessoas por compartilharem o caso. A conta @ProcurandoAle no Instagram chegou a ter cerca de 9 mil seguidores. Em diversas postagens, a família suplicou por respostas para o paradeiro da jovem.
Incursões em matagais
Foram realizadas buscas em áreas de mato pelos policiais, com auxílio dos bombeiros e cães farejadores, mas nada de concreto, que pudesse indicar o que aconteceu, foi localizado. Equipes também realizaram diligências em municípios vizinhos, sem sucesso.
Outdoor
Na metade de setembro do ano passado, um outdoor foi instalado pela família de Alessandra na esquina da Rua Dom João Becker com a Rua São João, uma das mais movimentadas do centro de São Leopoldo. Nele, foram inseridas fotos de Alessandra e o telefone usado pela família para tentar obter novas pistas.
Investigação particular
Investigadores particulares foram contratados pela família para apurar toda e qualquer informação nova que chegava ao conhecimento. Amigos e parentes seguiam refazendo os passos da jovem, em busca de novas pistas.
Laudo pericial
Durante as buscas, familiares de Ale encontraram uma garrafa descartada por ela no trajeto. No dia 25 de janeiro, o laudo da perícia realizado na garrafa foi concluído. O exame indicou a presença de uma mistura de substâncias compatíveis com um medicamento chamado Venvanse, utilizado para tratar o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e de uma bebida energética com cafeína, comumente usada em pré-treinos físicos. Contratado pela família de Alessandra, o advogado Matheus Trindade avaliou naquele momento que o resultado da perícia enfraquecia a possibilidade de suicídio. A família já sabia que a jovem fazia uso do medicamento.
Ossada
Quase dois anos após o desaparecimento de Alessandra, os restos mortais da advogada foram encontrados numa área de mato perto do trajeto de caminhada dela, em Sapucaia do Sul. Segundo a Polícia Civil, a perícia confirmou em junho que a ossada pertencia à mulher. Uma coletiva de imprensa foi realizada em 18 de junho pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para detalhar o caso.
Despedida
O velório e enterro dos restos mortais foram realizados em 19 de junho deste ano. Quatro dias depois, a família realizou uma missa de homenagem para Alessandra. A cerimônia ocorreu na Paróquia Santa Catarina de Alexandria, no bairro São José, em São Leopoldo.
— O passado, não podemos mudar. O presente é tudo que temos. A partir dele posso dar um conselho aos pais: desfrutem cada minuto com seus filhos, com sua família. Viva com eles, viva eles. E o futuro? A Deus pertence — disse o pai da advogada, Eduardo Dellatorre.
Dicas de como agir
Em desaparecimentos
- Registre o desaparecimento na polícia assim que for percebido
- Leve uma fotografia atualizada para repassar aos policiais
- Outras informações relevantes no momento do registro são saber se a pessoa tem telefone celular e se foi levado junto, se possui redes sociais, os dados de conta bancária, se possui veículo e qual a placa, locais que costuma frequentar, pessoas com quem mantêm contato (amigos, familiares), se é usuária de drogas e se houve alguma desavença que pode ter motivado o sumiço
- Comunique o desaparecimento aos amigos e conhecidos, que podem auxiliar com informações. Ao divulgar o sumiço, informe os contatos de órgãos oficiais como Polícia Civil e Brigada Militar para receber informações. Isso evita que criminosos interessados em extorquir familiares de desaparecidos se aproveitem da situação
- Outra orientação importante é que as famílias comuniquem a polícia não somente o desaparecimento, mas também a localização. É muito comum os policiais depararem com casos de pessoas que não estão mais desaparecidas, mas que no sistema constam como sumidas porque o registro de localização não foi feito
Se forem crianças ou adolescentes
- Percorra locais de preferência da criança
- Saiba informar quem são os amigos dela e com quem pode estar
- Esteja atento às roupas que a criança ou adolescente está usando e, em caso de sumiço, descreva para a polícia
- Mantenha alguém à espera no local de onde ela sumiu. É comum que ela retorne para o mesmo ponto
- Ensine as crianças, desde pequenas, a saberem dizer seu nome e o nome dos pais
- Quando a criança ou adolescente for localizado, informe a polícia
Fonte: Polícia Civil-RS
Procure ajuda
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