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Após a Justiça determinar que a mãe e a madrasta de Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, desaparecido no Litoral Norte, devem ir a júri pelo assassinato do garoto, as defesas das duas entraram com recursos no Tribunal de Justiça. São estes pedidos que devem ser analisados no próximo mês pela 3ª Câmara Criminal. É também em julho que o caso completará um ano. Depois do sumiço do menino, a investigação concluiu que ele foi espancado, morto e teve o corpo arremessado nas águas do Rio Tramandaí — o cadáver nunca foi localizado. Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26, e Bruna Nathiele Porto da Rosa, 24, permanecem presas pelo crime.
Em fevereiro, o juiz Gilberto Pinto Fontoura, de Tramandaí, determinou que as duas devem ser julgadas pelo Tribunal do Júri. Além do homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima), a mãe e a madrasta respondem por tortura e ocultação de cadáver. Isso porque, segundo a acusação, além de terem assassinado Miguel, antes disso, o menino teria sido submetido a castigos físicos e psicológicos, como ser mantido trancado em um fosso de luz e num guarda-roupas. Apesar de os bombeiros terem realizado série de buscas pelo corpo do garoto, não foi possível encontrá-lo.
É esta decisão que as defesas tentam reverter agora no Tribunal de Justiça, que recebeu os recursos no início de maio. Os argumentos dos advogados foram encaminhados à 3ª Câmara Criminal, que tem como relator do caso o desembargador Luciano André Losekann. Ainda em maio, o Ministério Público (MP) também se manifestou sobre os pedidos feitos pelas defesas. Desde 10 de junho os recursos se encontram conclusos para decisão. O Tribunal de Justiça não confirmou a data dos julgamentos, mas informou que estão previstos para julho.
— Em síntese, estamos pedindo que seja impronunciada, que não vá a julgamento pelo Tribunal do Júri. Durante a instrução processual e até antes ocorreram várias coisas que nos levaram a alegar nulidades. A acusação, por exemplo, sustenta sobre a confissão da Yasmin, mas durante a instrução soubemos que essa confissão foi tomada e aconteceu de maneira completamente equivocada — afirma o advogado Filipe Trelles, um dos responsáveis pela defesa de Yasmin.
Além do criminalista, a banca de advogados é composta por Dyuliane Saboleski, Gustavo Nagelstein, Jean Severo, Rafael Andrade, Tomás Gonzaga e Martin Gross. Sobre o fato, a defesa afirma que a cliente alega ser inocente e sustenta ainda que não teve acesso a todas as provas do processo. Em razão disso, um dos pedidos dos advogados é para que o caso retorne à fase inicial, de resposta à acusação. Caso o TJ aceite esse pedido, seria necessário realizar todas as oitivas de testemunhas e interrogatório das rés novamente.
Os desembargadores podem tanto acatar os pedidos das defesas, de forma parcial ou integral — neste caso, ainda caberia recurso do Ministério Público —, quanto negar as solicitações e manter o andamento do processo como está. Nesta segunda hipótese, a tendência é de que retorne ao magistrado em Tramandaí para que ele agende data para a realização do júri, embora também possa haver novos recursos por parte das defesas.
Sobre as alegações da defesa de que houve fatos durante a investigação do caso que levaram a pedir a nulidade do processo, o delegado Antônio Carlos Ractz afirma que o inquérito possui diversas provas.
— Esperava mais da midiática defesa da sedizente mãe, que teatraliza os julgamentos. Mas a estratégia é a mesma: o ataque ao acusador. As provas que ensejaram o indiciamento, o oferecimento de denúncia e a pronúncia, bem como a decretação da prisão provisória, são robustas, não se cingem à confissão, colhida na presença de advogado e filmada. Não há nulidade alguma. Só quem teve acesso à investigação sabe o que Miguel sofreu. Pudera eu revelar as atrocidades. Mas creio na Justiça. Acredito que elas serão condenadas. Resta aguardar o julgamento pelo Tribunal do Júri. Nenhuma pena privativa de liberdade será suficiente — disse o delegado.
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Expectativa pelo júri
A expectativa do Ministério Público, segundo o promotor André Luiz Tarouco, responsável pela acusação, é de que os recursos não sejam concedidos pelo TJ e de que o júri possa ser realizado ainda neste ano. Se isso ocorrer, sete jurados da comunidade decidirão se a mãe e a madrasta são ou não culpadas pelo assassinato do garoto, além dos outros crimes.
— Esperamos que elas sejam submetidas ao Tribunal do Júri nos mesmos termos do que constou na denúncia, com todas as qualificadoras. Que esse julgamento ocorra o quanto antes — afirma o promotor.
Caso o TJ negue todos os pedidos, segundo a defesa de Yasmin, a banca ainda analisará se ingressa com novo recurso ou se irá diretamente para o júri. GZH também entrou em contato com a advogada Fernanda Ferreira, uma das responsáveis pela defesa da madrasta de Miguel, que afirmou que aguarda julgamento do recurso (leia nota abaixo). Quando foi ouvida na Justiça, Bruna alegou que quem assassinou o garoto, por espancamento, foi a companheira. Já Yasmin optou por permanecer em silêncio durante o interrogatório.
Yasmin e Bruna seguem presas de forma preventiva, por decisão da Justiça. No caso de Bruna, ela chegou a ser internada no Instituto-Psiquiátrico Forense (IPF), onde foi submetida à perícia para verificar sua sanidade mental. A conclusão foi de que ela tinha condições de compreender a seus atos na época do crime. Depois disso, foi determinado pelo Judiciário que ela retornasse ao sistema prisional.
Buscas encerradas
Após 48 dias, os bombeiros do Litoral Norte encerraram em 14 de setembro do ano passado as buscas pelo corpo do menino Miguel. Na noite de 29 de julho, Yasmin havia confessado ter arremessado o corpo do filho no Rio Tramandaí, em Imbé. Desde então, as equipes vinham realizando varredura em diversas cidades, em busca da criança. Ao longo da operação, os bombeiros usaram embarcações, aeronaves e um drone.
Algumas evidências reunidas pela investigação
Vídeos — imagens que mostram o menino dentro de um armário. Os vídeos foram gravados na primeira pousada onde os três moraram em Imbé, na praia de Santa Terezinha. Em um dos momentos, a madrasta ameaça espancar o garoto. Para a acusação, isso demonstra que ele era torturado, com castigos, e que ficava preso e sem comer.
Imagens de câmeras — a polícia divulgou imagens que flagram o trajeto realizado por Yasmin e Bruna na madrugada do dia 29 de julho entre a pousada onde viviam, na Rua Sapucaia, em Imbé, e as margens do Rio Tramandaí. Uma das câmeras flagrou Yasmin transportando a mala no braço, e Bruna caminhando ao lado dela. O mesmo equipamento registrou o momento em que duas retornaram abraçadas e já sem a mala, onde estaria o corpo do menino.
Mala — A mala na qual o garoto teria sido transportado foi encontrado numa lixeira em frente a uma residência. O local foi indicado pelas próprias presas. A mala foi encaminhada para perícia, que constatou a presença de material genético compatível com o garoto.
Mensagens — Conversas entre a mãe e a madrasta, e também de Bruna com outras pessoas, são apontadas como provas de que o menino era visto como empecilho para a relação das duas. Em uma das trocas de mensagens, a madrasta se refere ao garoto como “lixo”. Para o MP, ele seria visto como um entrave para a relação motivou o crime.
Pesquisas na internet — Entre os dias 26 e 29 de julho, pesquisas foram realizadas na internet com o celular de Yasmin. Em uma delas, tenta-se descobrir se a água do mar é capaz de apagar impressões digitais. Ainda no dia 26, a pesquisa se dá sobre o que fazer quando uma criança tem alucinações. Neste momento, a acusação entende que o menino já havia sido espancado e sofria as sequelas das agressões.
Cadernos — Foram encontrados cadernos do menino, nos quais, segundo a acusação, ele era obrigado a escrever frases ofensivas. Miguel seria obrigado a copiar frases com insultos, onde escrevia "eu sou um idiota", "não mereço a mamãe que eu tenho", "eu sou ruim", "eu não presto" e "a minha mamãe é maravilhosa e eu sou péssimo".
Corrente e cadeados — A polícia apreendeu cadeados que teriam sido usados para manter o menino preso. A corrente foi encontrada no lixo do banheiro da última pousada onde elas moraram. Nela, havia material genético compatível com o de Miguel. A acusação afirma que a mãe e a madrasta tinham o hábito de acorrentar a criança, como castigo e tortura.
Fosso de luz — Os peritos recolheram um fio de cabelo dentro de uma peça atrás do box do banheiro (um fosso de luz), onde, segundo a polícia, o garoto era mantido trancado. A peça tinha cerca de um metro quadrado, era escura e fria. O cabelo pertencia a Miguel.
Camiseta com sangue — Outra evidência descoberta ao longo da apuração foi uma camiseta infantil, com sangue humano. A análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) concluiu que o DNA é compatível com o de um filho de Yasmin — Miguel era o único dela. Para a apuração, isso indica que o menino era vítima de agressões.
Contraponto
Confira nota enviada pela defesa da madrasta de Miguel:
A Bruna continua no presídio Madre Pelletier em Porto Alegre, continuamente sendo atendida pela assistência judiciária, em acompanhamento psicológico e psiquiátrico. A defesa aguarda julgamento do recurso.
Advogadas Fernanda Ferreira e Etiane Rodrigues