Entenda a reportagem em cinco pontos
- Entre os dias 19 e 21 de junho deste ano, cinco pessoas foram vítimas de ataques com líquido ácido nas ruas Santa Flora, no bairro Nonoai, e Francisca Prezzi Bolognesi, no bairro Hípica, na zona sul de Porto Alegre.
- Em quatro dos cinco casos, o agressor estava em um HB20. A identificação do carro e a descoberta de que tratava-se de um veículo alugado foi essencial para que a Polícia Civil chegasse ao suspeito do crime.
- Durante a investigação, os policiais chegaram ao nome do empresário Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 48 anos. Ele foi preso na sexta-feira (4), em Curitiba, no Paraná.
- Informalmente, Camargo Júnior disse aos policiais que pretendia mostrar a ex-companheira que os locais que ele frequenta não eram seguros — os ataques foram em trajetos que ela usava. Assim, queria convencê-la a morar com ele no Paraná.
- Segundo a polícia, as vítimas foram escolhidas aleatoriamente.
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Até o fim de agosto, a polícia seguia sem pistas sobre quem era o autor da série de ataques com ácido na zona sul de Porto Alegre. A única certeza era de que o criminoso havia usado um HB20 branco, modelo 2019. Ao cruzar os trajetos por onde um empresário havia circulado com três veículos alugados na Capital, entre os dias 15 e 25 de junho deste ano, com os locais nos quais as cinco pessoas haviam sido feridas, a Polícia Civil teve certeza de que estava diante do principal suspeito do crime. Dono de uma empresa de turismo, Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 48 anos, foi preso em Curitiba, no Paraná, às 7h de sexta-feira (4).
Quatro mulheres e um adolescente de 17 anos foram feridos nos bairros Nonoai e Hípica, entre os dias 19 e 21 de junho. O criminoso se aproximava das vítimas e arremessava o líquido ácido nelas. No primeiro caso, na Rua Santa Flora, o autor estava de bicicleta. Nos outros quatro, dois dias depois, usou um HB20 branco, flagrado por câmeras de segurança. A partir de perícias nas imagens e dos relatos das vítimas, os policiais passaram a tentar identificar todos os veículos com as mesmas características.
Uma das apostas da investigação para encontrar o HB20 foi procurar locadoras de automóveis da Capital. Foram listados os carros parecidos que haviam sido alugados no período dos ataques. A polícia descobriu que Camargo Júnior, dono de uma empresa de turismo com sede em Curitiba e filial em Porto Alegre, havia alugado três carros na Capital, dois Logan e um HB20 idêntico ao usado nos ataques.
Pelo sinal de GPS dos carros, a polícia traçou as rotas feitas pelo empresário no período em que alugou os carros. Descobriu que o Logan, o primeiro a ser locado, no dia 15, havia circulado repetidas vezes nas proximidades da casa da ex-companheira de Camargo Júnior. O mesmo veículo permaneceu estacionado a 700 metros do local do primeiro caso, em 19 de junho. Por volta das 23h30min, uma mulher retornava para casa quando foi atacada por um homem de bicicleta na Rua Santa Flora. O criminoso arremessou um líquido contra o rosto da vítima. "Olha a água!", gritou ao jogar o ácido.
— Dei dois passos, aquilo queimou e eu saí correndo — relatou Bruna Machado Maia, 27 anos, à reportagem de GaúchaZH três dias após o crime, quando ainda tinha dificuldade de falar, em razão da dor gerada pelas queimaduras.
Ao delegado Luciano Coelho, da 13ª Delegacia de Polícia, o empresário ainda relatou que teria comprado a bicicleta usada no primeiro ataque em Porto Alegre e abandonado na rua depois. Depois disso, teria usado novamente o Logan para seguir em direção a Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, conforme sinal de GPS analisado pela polícia. Neste trajeto, segundo a polícia, ele furtou as duas placas de um Astra. No dia seguinte, retornou à locadora e devolveu o veículo, dois dias antes do prazo previsto no contrato.
— Ele havia feito um contrato do dia 15 até 22. Mas como usou o Logan no primeiro ataque, deve ter ficado com medo e devolveu o carro antes. Foi a uma outra locadora e alugou o HB20 — explica o delegado.
Os policiais também conseguiram mapear o trajeto feito por este segundo veículo. Descobriram que o carro permaneceu na Rua Francisca Prezzi Bolognese, das 22h30min do dia 20 até as 6h54min do dia 21. Nesta rua, duas pessoas foram atacadas em sequência às 6h30min e 6h40min. O veículo depois seguiu até as proximidades da Rua Santa Flora, onde ficou das 7h22min até às 7h33min. Ali, outras duas pessoas foram feridas em horário próximo.
O HB20 alugado pelo empresário passou por análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que confirmou que as placas do veículo possuíam vestígios de manipulação. Na placa dianteira, foram constatados parafusos de fixação e arruelas diferentes (característica não original do fabricante) e na placa traseira foi verificado que o lacre foi rompido, permitindo que a placa pudesse ser removida apenas com a retirada dos parafusos de fixação.
Carta com erros
No dia 22, o empresário retornou para Curitiba de avião e voltou para Porto Alegre três dias depois. Segundo o delegado, o objetivo desta nova viagem era espalhar instruções para que novos ataques fossem cometidos. Mais uma vez, Camargo Júnior alugou um veículo. Este segundo Logan, esteve na Rua Dona Zulmira, das 20h09min às 20h16min do dia 25 de junho.
Nesta data, foi arremessada uma carta enrolada em uma pedra. No texto, havia orientações para que fosse jogada substância ácida em pessoas de duas ruas na Zona Sul. Os endereços coincidiam com o local de residência e de trabalho da ex-companheira dele. Ao delegado Coelho, o empresário relatou que teria atirado quatro cartas com as mesmas instruções, em locais aleatórios. Mas somente uma delas foi encontrada em uma residência no bairro Cavalhada, às 20h15min.
— A intenção dele era amedrontar a mulher. Há cerca de 40 dias estávamos trabalhando com o nome dele. Mas as informações sobre os locais onde ele esteve nos deram a certeza — afirma o policial.
De posse da carta, a polícia descobriu que o documento tinha erros de português idênticos aos cometidos pelo empresário. Ao longo das instruções, são usadas as palavras "excolhida" e "misão". Novas perícias serão feitas em um notebook do empresário, para verificar se a carta foi armazenada ali. Também serão periciados dois recipientes plásticos que Camargo Júnior afirmou ter usado para transportar o líquido ácido.
A prisão
A partir das provas coletadas contra o suspeito, a polícia conseguiu obter o mandado de prisão preventiva. Camargo Júnior foi preso na manhã de sexta-feira (4) na empresa que mantém em Curitiba, no Paraná. No local, também foi cumprido mandado de busca. Foram encontrados em um dormitório, dentro de uma pochete, uma chave de fenda, arame e os frascos que teriam armazenado o ácido.
As vítimas não têm nenhuma relação com ele. Mas os locais dos ataques têm relação com a ex-companheira dele.
LUCIANO COELHO
Delegado
O preso foi encaminhado para Porto Alegre, onde chegou no Palácio da Polícia, às 19h. Na Capital, foi ouvido pelo delegado Luciano Coelho. Informalmente, segundo o policial, ele confirmou que cometeu os ataques com intuito de amedrontar a ex-companheira e convencê-la a se mudar para o Paraná com ele.
— As vítimas não têm nenhuma relação com ele. Mas os locais dos ataques têm relação com a ex-companheira dele. Isso ele verbalizou. A gente vai procurar investigar melhor, claro. Como estava em fase de separação, queria demonstrar para a ex-companheira que os locais habituais (que ela frequentava) não eram seguros. Queria que ela fosse residir com ele no Estado do Paraná — explicou Coelho.
Camargo Júnior não prestou depoimento formal e foi encaminhado ao Presídio Central.