O nome que Lucas Seelig de Lima, 25 anos, carrega na aliança de compromisso na mão direita é o mesmo que está em um letreiro sobre a estante da sala da casa onde vivia com a noiva, em Linha Ferraz, no interior de Vera Cruz. As lembranças de Francine Rocha Ribeiro, 24 anos, estão por todos os lados. Nas paredes da moradia, quadros sustentam mensagens de incentivo que a jovem havia recortado. “A vida é curta”, diz uma delas, junto ao móvel com fotos do casal.
Na tarde de domingo (12), o rapaz levou a companheira até Santa Cruz do Sul, onde ela caminharia no Lago Dourado, ponto turístico usado para prática de exercícios. Depois, deveria regressar sozinha para a casa da mãe, mas não chegou até lá. A jovem foi encontrada morta na manhã seguinte, a cerca de 400 metros da pista onde faria a caminhada. A necropsia apontou que foi estrangulada e espancada. A suspeita da Polícia Civil é de que tenha sido vítima de violência sexual.
O fim de semana do casal, conta o rapaz, transcorria normalmente até a tarde de domingo. No sábado à noite, foram até Santa Cruz do Sul para jantar com familiares. Pouco antes da meia-noite, seguiram para a casa deles, no interior de Vera Cruz. São cerca de 25 quilômetros de distância. Na manhã seguinte, Lima trabalhou no mercado da família, em frente à residência do casal. Francine ficou em casa, na companhia do cachorrinho Oliver, um shih-tzu pelo qual era apaixonada.
Logo após o meio-dia, quando o mercado foi fechado, o casal seguiu para Rincão da Serra, outra localidade do interior, onde vive o pai de Francine. Era um almoço de comemoração pelo Dia dos Pais. A jovem, como sempre, estava sorridente. Divertia-se na companhia da irmã gêmea, Franciele Ribeiro, da avó e de outros parentes.
— A irmã dela nos convidou para assistir ao jogo do Avenida (às 15h). Então a gente saiu umas 14h30min da casa do pai dela — conta Lucas.
No meio do trajeto, segundo o rapaz, Francine mudou de ideia e decidiu ir caminhar no Lago Dourado. Antes disso, passou na casa da mãe, no bairro Bom Jesus, onde trocou de roupa. Pouco antes das 15h, a jovem desembarcou no pórtico do parque.
— Parei o carro e dei um beijo nela. Ela disse que iria sozinha para a casa da mãe depois. Fiquei vendo ela entrar e fui embora. Ela gostava de caminhar. Agora penso: por que deixei ela lá? Queria poder voltar atrás — relata.
Depois de deixar a jovem no lago, Lucas diz que foi até uma agência bancária, no centro de Santa Cruz do Sul, para fazer um depósito. Então, retornou para casa, em Vera Cruz. Por volta das 17h, a mãe de Francine passou a estranhar a demora da filha. A partir dali, os familiares começaram a fazer buscas. Um tio de Lucas localizou o corpo na manhã seguinte.
— A gente sempre tem esperança. Cruzei matos, me arranhei atrás dela. Pensava que poderia estar amarrada em algum lugar. Ele me ligou e disse que tinha encontrado. Perguntei: “Está viva?”. A gente não sabe se chora, se fica com raiva, o que faz. Vai demorar muito para curar isso — diz.
Casal planejava comprar moradia
Lucas e Francine se conheceram durante o Ensino Médio. Dois anos depois, em junho de 2012, encontraram-se em uma festa. Logo começaram a namorar. Há cerca de dois anos, a jovem foi morar com Lucas no interior. Francine ajudava o namorado no mercado. Neste período, o comércio foi assaltado duas vezes. Em uma delas, o criminoso rendeu a jovem, mas ela pediu que ele se acalmasse. Queria garantir que ninguém na família saísse ferido.
— Já choramos o que podíamos e não podíamos. O pior sentimento é pensar que uma guria tão boa como ela passou por isso — diz a sogra, Fabiana Seelig, 44 anos.
Entre os planos do casal, noivo há dois anos, estava comprar uma residência.
—A gente pensou em primeiro conseguir uma casa, para depois se casar — lembra o jovem.
Há dois meses, Francine voltou para a casa da mãe, após conseguir um emprego em uma loja de roupas infantis. Nos fins de semana, ela seguia para Linha Ferraz, onde ficava com o noivo. Nos últimos meses, a jovem havia emagrecido e costumava se exercitar para manter a forma. Lucas conta que foi uma vez caminhar no lago com a noiva, mas não tinha o mesmo hábito que ela.
— Dessa vez, resolvi deixar sozinha, na confiança. Ela não tinha inimigos. Acredito que estava no lugar errado, na hora errada. Não sei qual era a intenção dele ou deles. Mas para mim não faz tanta diferença quem foi ou não. Isso não vai curar a dor de todo mundo. Ela preenchia espaços. Era querida e amada por todos — diz o rapaz.
A investigação
Uma das hipóteses é que a motivação do crime tenha sido violência sexual. A jovem estava com as mãos amarradas e parte das roupas desalinhadas. O celular, um par de óculos escuros e o casaco dela desapareceram. Isso leva a polícia a acreditar que esses objetos possam ter sido subtraídos por quem praticou o crime. A suspeita é de que mais de uma pessoa possa ter participação na morte.
Entrevista: Lucas Seelig de Lima, 25 anos, noivo de Francine Ribeiro
Como foi esse último dia juntos?
A gente foi almoçar no pai dela. Eu gostava muito de ir lá. Foi muito divertido, a vó dela estava lá. A gente ria junto. Até aquela hora, ali, estava um dia feliz. Depois disso, desabou tudo.
Quais eram os planos de vocês?
Uma casa, um carro, plano normal de toda família. Uma vida melhor que toda pessoa deseja ter. E casamento, depois de conseguir a casa, um casamento bonito.
Do que ela mais gostava?
De crianças, fotografias, de caminhar. Gostava da família, do convívio, amava a mãe, o pai, a irmã. Gostava de ficar com as pessoas, de estar com todo mundo, se dava bem com todo mundo. Mesmo quando não estava bem, tinha um sorriso no rosto.
Quando perceberam que ela tinha sumido?
A mãe dela mandou um áudio, porque ela não tinha voltado. Os tios foram de carro atrás dela, no Lago Dourado. Logo depois, recebi outro áudio dizendo que ela não tinha voltado. Aí eu saí correndo. Fui pelas ruas, cuidando para ver se ela estava. Fui em direção ao lago, e nada, ninguém.
Você se arrepende de tê-la deixado no parque?
Passa muita coisa na cabeça. Muito arrependimento de não ter ido com ela ou ter dito “não vai hoje”. Se ela tivesse me pedido “fica aqui comigo” ou “me espera aqui nessa parte”. Mas a gente não tinha como saber o que iria acontecer. É uma coisa totalmente inexplicável.
Qual o sentimento depois de tudo isso?
Muita dor. Ninguém pensa em passar por isso. É inexplicável, como e por que aconteceu isso. Não adianta achar culpado. Pode-se achar quem fez, mas ela já foi, está morta. A gente tem só que pedir para as pessoas se cuidarem mais, para ter mais segurança e para cada um cuidar mais dos outros e de si próprio.
O que você espera agora?
Espero que não aconteça com mais ninguém. Todo mundo chorou e vai continuar chorando por muito tempo. Dói muito. Ficam lembranças muito boas. As fotos, as mensagens nas paredes, o sorriso e o amor que ela tinha por todo mundo. Isso eu nunca mais vou esquecer.