A abertura de uma unidade da Associação de Assistência e Proteção ao Condenado (Apac) em Santa Catarina ficou mais distante. Mesmo com a mobilização dos voluntários responsáveis pela construção da estrutura no Complexo Penitenciário da Agronômica, em Florianópolis, a Secretaria de Justiça e Cidadania (SJC), responsável por administrar os presídios no estado, mantém a posição de não permitir a abertura da prisão que não terá agentes, armas ou algemas.
Neste começo de semana, novas reuniões buscam um acordo. O prédio está pronto, depois de um ano de construção. Mesmo assim, o secretário-adjunto da SJC, Leandro Lima, é direto: não permitirá a abertura da Apac na construção feita na Capital (leia a entrevista completa abaixo). Lima diz que é a favor do projeto, mas não onde ele foi estabelecido pela coordenadora em Florianópolis, Leila Pivatto, e outros voluntários.
O orçamento da secretaria prevê investimento nas Apacs em 2017. O custo que o Estado terá é de um salário mínimo por recuperando. O projeto da Capital prevê inicialmente 12 detentos, com possibilidade de aumento nos próximos meses para 24. Mas a localização hoje é o empecilho para o acerto.
Leila pretende oferecer algumas possibilidades de mudança no projeto para ter o aval da SJC. Na tarde desta segunda-feira, uma reunião no Tribunal de Justiça (TJ) com desembargadores, representantes das Apacs e do Estado vai debater a atual situação e procurar uma opção para resolver o impasse.
Estará no encontro o diretor-executivo da Fraternidade Brasileira de Assistência ao Condenado (FBAC), Valdeci Ferreira, que fiscaliza as associações no país inteiro. Em entrevista ao DC (leia abaixo), ele disse acreditar que o caminho é encontrar um ponto em comum.
Movimento de mulheres apoia projeto
Empresárias catarinenses também pretendem apoiar a instalação do Apac em Santa Catarina. Nesta quarta-feira, o movimento Mulheres da Paz se reúne com representantes da SJC em Florianópolis para discutir a implantação do projeto no Estado. Até o momento, a articulação delas é separada da ação dos voluntários liderados por Leila.
Leia abaixo as entrevistas do Estado e do representante da Apac sobre o impasse:
Valdeci Ferreira, diretor-executivo das Apacs no Brasil
"É possível encontrar um meio termo"
Qual o motivo da tua vinda e a expectativa para estes dois dias?
A equipe de Florianópolis esteve há alguns anos em Minas Gerais conhecendo as Apacs e voltaram de lá convencidos de que aqui poderíamos ter também uma experiência semelhante as de outros Estados. Desde então, eles se colocaram a caminho. Havia um terreno que pertencia à Pastoral Carcerária. Ocorre que esse terreno fica junto ao Complexo Penitenciário. Então foram feitos vários esforços para se construir, preparar um ambiente propício que pudesse aplicar a metodologia Apac. Então temos hoje uma experiência inusitada, temos um espaço que está dentro de um grande complexo penitenciário. Vim para conhecer a estrutura, sentar com a equipe e as autoridades que trabalham nessa área prisional para juntos encontrarmos um caminho que possa trazer uma esperança para o sistema prisional de Santa Catarina.
Tem como dar certo funcionar dentro de um complexo penitenciário?
Temos experiências fora do Brasil, como Chile, Colômbia, Esquador, Noruega, Costa Rica e Uruguai, onde aplicamos parcialmente a metodologia, então a Apac, juntamente com o poder Executivo, fazem um trabalho comum, objetivando a recuperação do preso. Acredito que é possível encontrar um meio termo.
Como enfrentar essa resistência do Estado?
Acredito que, muitas vezes, essa resistência é resultado do desconhecimento. Não vejo que é má vontade. Acredito que é um pouco de desconhecimento, até de possibilidade novas. Não vamos convencer as autoridades a ferro e fogo, não vamos fazer descer goela abaixo uma proposta tão revolucionária como a Apac. Então é a partir dos diálogos que vamos encontrar os caminhos.
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Leandro Lima, secretário-adjunto de Justiça e Cidadania do Estado
"Não abrimos mão"
Porque o estado não aceita a Apac no Complexo da Agronômica?
Por uma questão de segurança. São duas metodologias completamente antagônicas. Uma coloca em risco a outra. Talvez o pessoal da Apac não tenha feito essa leitura porque eles construíram lá sem que fossem autorizados para isso. O conhecimento que tínhamos do que estava sendo construído lá era a ampliação da pastoral e da capela, o que de fato foi. Só que junto veio um alojamento, com refeitório, área de trabalho e de sol e virou uma Apac. O muro do pátio de sol da Apac faz divisa com o presídio, se houver qualquer coisa lá, vou ser questionado por permitir se uma arma, uma droga ou uma ordem forem arremessadas, uma vez que o pessoal que trabalha na Apac tem um tipo de liberdade diferente de quem está lado. Considerando a realidade do Estado hoje, numa disputa de facções criminosas, não podemos permitir que uma unidade que tenha metodologia diferente de todo o complexo funcione ali acreditando que isso não vai dar risco.
O Estado não abre mão?
Não abrimos mão. Por respeito à dona Leila (coordenadora da Apac em Florianópolis), fui lá pessoalmente. Nas reuniões que tivemos nunca recebemos um pedido oficial para ter a Apac lá dentro. Quando fomos informalmente consultados, falamos. Nós somos a favor da Apac, mas não dentro do complexo da Agronômica. Nós não vamos estabelecer convênio, não vamos repassar recursos para uma instituição que, salvo melhor juízo, não vai funcionar lá dentro.
Existe possibilidade de o Estado mudar de ideia diante de algumas condicionantes?
Como a gente vai mudar de ideia se os limites físicos entre uma e outra vão continuar os mesmos? Como a gente vai mudar de ideia se o pátio de sol da Apac é dividido por um muro da oficina do presídio? Não vai mudar. Isso não é oposição pessoal contra um projeto. O projeto e a construção que elas fizeram são belíssimos. No começo, procuramos alguns terrenos e aqueles que procuramos, não conseguimos. Mas em nenhum momento dissemos que estava encerrada a discussão. Encontramos terrenos, mas eles eram muito grandes. A gente está disposto a colaborar com outras possibilidades, de continuar procurando terreno. Mas ali dentro o risco é iminente.