Quando saiu de casa no sábado, em São Paulo, o guarda-civil metropolitano Caio Muratori, 43 anos, queria manter a rotina no trabalho. Em 13 anos na corporação, segundo ele, nunca havia sido necessário usar o revólver calibre 38. Bateu ponto às 18h e fez a patrulha rotineira em Guaianases, na zona leste da capital paulista.
Abordado por um motoqueiro, ficou sabendo que um veículo logo à frente tinha sido roubado. Ele e sua equipe de mais dois guardas iniciaram uma perseguição que duraria 20 minutos e resultaria na primeira morte em sua ficha: a de um menino de 11 anos.
– Saí de casa como policial exemplar, voltei com um alvará de soltura no bolso e uma declaração de fiança no meu nome – disse, em entrevista.
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O caso é investigado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e na Corregedoria da Guarda Civil. A defesa de Muratori diz que há "pré-julgamento" em declarações do secretário de Segurança Urbana, Benedito Mariano, e do prefeito, Fernando Haddad (PT), que têm dito que a abordagem realizada foi "equivocada".
Confira a entrevista com o guarda-civil:
Como foi a abordagem inicial?
Nós e a PM fizemos a abordagem inicial. Acho que eles não viram a viatura. Quando demos o toque de sirene para que parassem, eles entraram pela contramão e iniciaram a fuga.
Os amigos do menino de 11 anos disseram que não tinham nenhuma arma. O senhor viu algum?
Não, eu só vi o clarão do meu lado. Eu já estava com a minha arma em punho, porque facilita. Minha prioridade era imobilizar. Passávamos por uma rua com buracos e lombadas quando atiraram contra a nossa viatura. Efetuei o disparo com o intuito de acertar o pneu (do veículo em fuga). Mas, pelo balanço da viatura, um repique no asfalto, um disparo acabou acertando o vidro traseiro do veículo, que era filmado (tinha película escura). Nós não tínhamos como saber quantas pessoas estavam dentro daquele veículo. Não vi em momento algum que era uma criança. Foram quatro disparos. Todos mirando no pneu. Um dos dois disparos (que teriam sido dados do carro onde estava o menino) acertou na porta atrás da minha. Mas a perícia disse que foi pedra. Tenho certeza de que não foi.
Há críticas de que não foram respeitados os procedimentos da Guarda Civil Metropolitana (GCM) em situações como essa.
Antes de iniciar a perseguição, eu acionei a Central de Comunicação da GCM, a Cetel, e informei à rede sobre a ocorrência. Eles me pediram mais informações, como placa e localização, e disseram que mandariam reforços, que não chegaram a tempo. Se fosse para eu abortar a missão, eles já teriam dito. Não procede. Está tudo gravado. (A reportagem procurou a Prefeitura, que informou que, se ficar comprovado que a Cetel não impediu a perseguição, uma ação vetada pela GCM, os responsáveis pela falha serão objeto de apuração a ser feita pela Corregedoria do órgão).
O prefeito de SP, Fernando Haddad, e o secretário de Segurança Urbana criticaram a ação, que julgaram "equivocada".
O prefeito não sabe do que está falando. Ele está mal assessorado. Não sabe as funções da Guarda Civil. No momento em que nós somos solicitados para fazer uma abordagem, não podemos dizer "não", senão é omissão. Procedimento em flagrante nós temos de acompanhar.
Já recebeu alguma ameaça?
Precisei sair da minha casa. Tinha gente rondando, e o telefone não parava de tocar. Quando era alguma voz diferente, eu já desligava. Vizinhos também me disseram que tinha muita gente procurando por mim.
Se a ação fosse agora, agiria de outra forma?
Com certeza. Não teria ido atrás do carro. Não é arrependimento. Quando você toma uma atitude, faz aquilo que foi treinado para fazer, aquilo que acha que é certo. Mas chegar ao ponto a que chegou... Acho que eu não levaria a esse extremo.
Como foi o momento em que você encontrou o menino?
Ao nos aproximarmos, algumas pessoas que estavam em uma festa junina já haviam entrado no carro, pelo banco do passageiro, e uma mulher disse que tinha uma criança no carro. Algumas pessoas nos chamavam de "assassinos". Eu me aproximei pelo lado do motorista, puxei o encosto e encontrei a criança no assoalho, caída. Naquele momento, eu pus a mão na cabeça e demorei alguns segundos para acreditar no que eu estava vendo. Para mim, foi um susto.
O que diria para os pais do menino?
Eu sou pai, eu tenho meus filhos, morro por eles. Eu sinto muito. É lamentável isso. Não tive a intenção. A intenção não era prejudicar ou matar ou, como falaram, executar. Eu me vi naquele momento como o pai da criança. Na hora de pôr na viatura para socorrer, já não era o guarda que estava ali. A emoção que me tomou naquele momento é a emoção de pai para filho. Tanto que falei: "Esquece protocolo, esquece carro, põe na viatura e vamos". Quando chegamos ao hospital, ele ainda estava com vida.