Há oito meses, nasceu um arco-íris em uma das galerias do Presídio Central. E a pior cadeia do país tornou-se uma das mais tolerantes do Brasil. Em um mundo à parte, na terceira galeria do prédio anexo H, moram 36 gays, travestis e seus companheiros.
São os únicos com permissão para lidar com agulhas e tesouras por causa do artesanato que produzem e habitam as celas mais limpas e enfeitadas do complexo. A iniciativa fez do Central a segunda prisão a ter um espaço exclusivo para casais homossexuais. Zero Hora dividiu o cárcere com eles por duas tardes ao longo da última semana e revela histórias que emocionam e surpreendem na maior prisão do Estado.
Assista ao relato dos presos em vídeo:
Três lances de escada levam a um corredor de quase 30 metros de extensão que divide quatro celas para cada lado. Móbiles coloridos pendurados no teto revelam um ambiente metamorfizado.
É ali que a história de nove uniões homoafetivas se desenrola.
O ambiente carcerário tem a aura densa de sempre, apesar de arejado. O cheiro, que nem de longe perdeu a característica de confinamento, nem de perto lembra o odor exalado do pavilhão B, hoje o mais lotado com 993 presos onde cabem 394.
Os carcereiros dizem que são os mais tranquilos habitantes dos 4.102 presos. Mas os próprios detentos confessam: dá cada arranca-rabo.
- Conservam a vaidade das mulheres, as disputas e a agressividade do homem. Tudo em uma pessoa só - define um policial militar.
Apesar da luta pelo respeito, carregam um passado de delitos. Trocaram tiro com a polícia, mataram desafetos, roubaram banco, envolveram-se com tráfico. Pelos crimes, foram condenados pela Justiça.
Pela preferência sexual, tinham a pena duplicada ao passarem por humilhações que incluíam surras, estupros e torturas. Para evitar baderna e controlar ímpetos, uma lista de regras é apresentada a cada novo habitante. A primeira é bem objetiva: quer namorar? Tem que casar!
- Se não vira putaria - adverte um detento.
Casamentos na galeria
Mayara Cristiny Cruz, 27 anos, travesti que há oito meses descobriu a ala e pediu transferência de Santa Cruz do Sul para o Central, casou-se em 13 de junho passado, dia de Santo Antônio, o casamenteiro. Mas o matrimônio não fazia parte dos planos de Mayara, que "ficava" com um preso confinado no mesmo pavilhão, mas no andar de baixo.
O namorico despretensioso desagradou os demais colegas. E a permanência de Mayara na ala foi condicionada ao enlace. Não houve papel passado, troca de alianças, vestido de noiva - como no filme Carandiru, baseado no livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella. Mas teve ritual e festa.
- Nalanda (a presa que chefia a galeria) disse que me chamavam lá embaixo. Levei um susto. Tinha um paredão com 50 de cada lado. Ao fundo da galeria do segundo andar, o plantão (preso que comanda todo o prédio) e o meu marido me esperavam. Fui até lá meio que empurrada - detalha Mayara.
No papel de juiz informal, um detento-chefe perguntou se a noiva aceitava o pretendente. Um beijo na bochecha do noivo, que tem a identidade preservada, representou o sim, e Mayara, acusada de um homicídio, voltou correndo para o terceiro andar.
O marido subiu atrás, de muda. Nunca mais desceu. A partir daquele momento, tornaram-se mais respeitados entre os seus pares.
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