Solange Lompa Truda (*)
Quase todas as crianças entre os três e quatro anos criam amigos imaginários. Na educação infantil, fico sempre encantada quando percebemos que eles estão nas brincadeiras dos pequenos, pois isso nos revela o quanto a criança está desenvolvendo a sua imaginação e a fantasia.
E quando surge esse amigo imaginário, não é motivo para que pais e educadores se assustem.
Projeção de sentimentos
A amizade imaginária, apesar de ser tratada como uma simples brincadeira por muitos pais, é fundamental para o desenvolvimento psicológico e linguístico do indivíduo. Sabemos que forma parte do desenvolvimento infantil desta faixa etária, e este amigo imaginário pode ser caracterizado por um animal, uma pessoa ou personagem inventado pela própria criança.
Nesta idade, a imaginação é uma ferramenta importante para a formação de um pensamento mais complexo e desenvolvido.
A criança está começando a construir o pensamento mais concreto que domina o seu mundo a maior parte do tempo. Assim, a capacidade de criar personagens imaginários é sinal de que a criança está desenvolvendo sua capacidade de experimentar e testar a sua realidade externa.
Em alguns momentos, a criança projeta sentimentos de raiva, tristeza ou amor neste objeto imaginário, observando como são lidados externamente, através da brincadeira com seus pais e educadores ou mesmo com seus colegas na escola. E este é o valor deles, no ponto de vista emocional. Amigos imaginários acabam oferecendo à criança uma maneira segura de descobrir e experimentar aquilo que ela deseja ser nesse processo de construção da sua identidade e autonomia.
Representações simbólicas
Através da fantasia, ela consegue dominar esses amigos, pode controlá-los, pode ser “boa” ou “má” com bastante segurança e afeto, podendo até tornar-se “outra” criança. Pode se imaginar no papel do pai, da mãe ou da professora, vivenciando vários aspectos desta personalidade que está sendo construída, vivenciando várias emoções.
Percebemos que nossas crianças usam sua imaginação para criar um ou mais companheiros de brincadeiras e conceber com cada um deles uma forma particular para externalizar suas emoções e relações, o que sentem, ou o que aprendem no dia a dia. Essas representações simbólicas têm muito a ver com a necessidade da criança de entrar em contato consigo mesmo e com seu mundinho interior.
Importante ressaltar que cabe aos pais e educadores tratarem esta questão com as crianças desta fase com naturalidade, evitando repreender ou negar a existência do amigo imaginário. Sugerimos que apresentemos aos poucos os dados da realidade, aceitando que a fantasia forma parte daquela brincadeira, respeitando o imaginário da criança. Acreditamos inclusive que os amigos imaginários podem servir de ensaio para o estabelecimento de futuras relações sociais.
Dificuldades com amigos reais
Pais e educadores não precisam se preocupar quando a criança cria e se relaciona com tais amigos, a menos que a criança demonstre isolamento ou prejuízo na sua socialização, ou que tenha dificuldade em lidar com situações e amigos reais, evitando testar outras formas de brincar ou se relacionar.
Se ocorrer dificuldades da criança em relacionar-se com amigos reais, apresentando com frequência e intensidade formas inadequadas de comunicação e de brincar com os iguais, sugerimos buscar ajuda e orientações com profissionais da saúde, seja na escola ou em clínicas de atendimento especializado.
O desaparecimento desta fase é natural, não costuma superar os cinco anos da criança, é um período de transição importante e está muito associado ao amadurecimento cognitivo e à crescente diferenciação entre a fantasia e a realidade.
Mas é importante destacar que cada criança é diferente e possui seu próprio tempo de crescimento e amadurecimento. Portanto, não há como definirmos uma idade ideal para que esses amigos desapareçam. O que podemos garantir, no entanto, é que não há necessidade de preocupação se uma criança maior ainda fala sobre seu amigo imaginário, desde que esteja garantida a sua socialização com os demais e a sua relação com a realidade.
(*) Psicóloga da infância e da adolescência e psicóloga escolar