Professor da Universidade da Carolina do Norte (EUA), onde leciona sobre os processos que levam ao desenvolvimento do câncer, o bioquímico Stephen Hursting dedicou a carreira a investigar as interações da doença com a dieta e a obesidade. Do seu currículo constam a liderança de um programa de pesquisa sobre nutrição e prevenção de tumores na Universidade do Texas e um cargo de direção no gabinete de prevenção ao câncer do Instituto Nacional do Câncer norte-americano. Com base nessa experiência, Hursting afirma existirem evidências científicas claras de que mudanças na dieta poderiam prevenir mais de um terço dos casos da doença. Ele diz ainda que, por falta de treinamento, os profissionais da área negligenciam o potencial que os hábitos alimentares têm de evitar o surgimento de tumores. Confira a entrevista.
De 30% a 60% dos casos de câncer poderiam ser evitados com uma boa alimentação
Veja quais são e como consumir alimentos que podem prevenir o câncer
As populações, os médicos e os governos dão a atenção devida ao papel da comida na prevenção do câncer?
Não. Acho que os esforços na prevenção do câncer, e especialmente no que diz respeito ao papel da alimentação nisso, têm sido lamentavelmente inadequados, e isso contribuiu para o câncer se tornar hoje a principal causa de morte no mundo. A pesquisa sobre câncer nos EUA e na maior parte dos países tem focado basicamente em tratamento, em lugar de prevenção, e os médicos no geral não são suficientemente treinados em nutrição.
Mas se o senhor tivesse de citar uns poucos alimentos com potencial de prevenir o câncer, quais diria que são os mais poderosos?
Existem várias classes de vegetais que são ricas em compostos anticancerígenos, têm potencial anti-inflamatório e apresentam a propriedade de inibir o crescimento celular. Citaria frutas como mirtilo, framboesa e amora, dotados de elementos fitoquímicos protetores, e crucíferas como couve e brócolis, ricos em glicosinolatos. Peixes de água fria, a exemplo do salmão, disponibilizam em quantidade os ácidos graxos ômega-3, que também parecem ter uma atividade anti-inflamatória. Manter um peso adequado e prevenir estados inflamatórios excessivos representa um passo enorme para prevenir muitos cânceres. Por isso, a inclusão na dieta de alimentos ricos em componentes anti-inflamatórios e a fuga de comidas açucaradas representa uma escolha prudente.
Richard Béliveau: "A melhor estratégia é comer o máximo possível de vegetais"
Existem no mercado muitos livros prescrevendo dietas anticâncer. Uma ampla variedade de alimentos é listada. Existe algum exagero nisso?
Sim, há hoje muitas opiniões sobre o tema em livros e revistas. O importante é tirar conclusões de evidências científicas, que dizem que comer principalmente vegetais e evitar carnes vermelhas e processados diminuirá o risco de aparecimento de vários tipos de câncer. Estima-se que mais de um terço de todos os cânceres poderiam ser evitados com mudanças na dieta.
Além de prevenir o câncer, a dieta pode desempenhar algum papel no tratamento de tumores ou na prevenção de recidivas da doença?
Sim. Essa é uma área particularmente pouco estudada, mas surgiram evidências, inclusive no meu próprio trabalho, de que a obesidade pode contribuir para a resistência à quimioterapia, pelo menos em parte devido a um aumento de inflamação. Logo, fatores dietéticos que diminuam a inflamação podem melhorar a resposta à quimioterapia e prevenir a recorrência do câncer.