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É preciso mesmo ter um coração forte para segurar as emoções vividas pelas aposentadas Geraldina Brahm, 60 anos, e NeidaSouza Barreiro, 75 anos, no final da manhã desta quinta-feira, no Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre. Mas de emoção elas entendem bem: as duas estão comemorando os 20 anos de um coração novo batendo em seu peito, após transplantes que mudaram suas vidas e ajudaram a consolidar a realização desse tipo de cirurgia no Estado.
Neida e Geraldina estão entre as primeiras brasileiras transplantadas com o uso da ciclosporina no procedimento, um medicamento antirrejeição que revolucionou a história dos transplantes. A chegada desse medicamento possibilitou uma retomada desses procedimentos no Brasil e no mundo, 15 anos após a realização das primeiras cirurgias, no final do anos 60.
- Não se entendia ainda como ocorria a rejeição dos órgãos, por isso houve uma grande interrupção na realização de transplantes em todo o mundo. Um dos únicos médicos que continuou a prática foi Norman Schumway, na Califórnia. Eu acompanhei seu trabalho pessoalmente diversas vezes e na década de 1980 conseguimos, aqui em Porto Alegre, utilizar a ciclosporina e retomar a história dos transplantes - conta o médico do Instituto de Cardiologia, Ivo Nesralla.
Homenageadas pela equipe do Instituto de Cardiologia e por um grupo de outros transplantados para celebrar os 20 anos de suas novas vidas, Neida e Geraldina têm mesmo muito a comemorar. Além de contribuir para o avanço da medicina, o novo órgão que elas receberam simboliza a oportunidade do recomeço, agora mais saudável e tranquilo.
Neida já era mãe de oito filhos quando foi diagnosticada com miocardiopatia dilatada, uma doença que provoca a dilatação dos ventrículos. Sem resposta suficiente do tratamento medicamentoso, o transplante foi a única solução. Sem ele, suas chances de sobreviver eram de apenas 10%. Com um coração novo, a esperança aumentava para 25%.
- Eu não senti medo, sempre fui muito calma e sabia que tudo iria dar certo. Só tinha preocupação com a minha família, se acontecesse alguma coisa comigo, eles iriam sofrer -conta.
Geraldina, que mora em Pelotas, também viveu a angústia de lidar com a possibilidade de não ver seus dois filhos, na época com quatro e oito anos, crescerem. A gravidez de seu segundo filho desencadeou uma alteração cardíaca que exigiu a cirurgia. Segunda na fila de espera pelo transplante, recebeu o órgão que estava destinado à Neida, mas era incopatível.
Passados os momentos difíceis, Neida e Geraldina compartilham hoje de uma grande amizade e, principalmente, de um sentimento: a gratidão. Foi somente por ato de coragem das famílias de seus doadores que hoje elas podem contar essa história e celebrar a vida.
- Eu só tenho a agradecer para essa família que optou por fazer uma doação em um momento tão difícil. Que nossa história sirva de exemplo para que as pessoas percebam a importância de doar, que não há perigo e todos saem ganhando - diz Geraldina.
Como ser um doador
A legislação brasileira estabelece que todas as pessoas são doadoras de órgãos, desde que os familiares autorizem por escrito, após a morte, a retirada dos órgãos. Portanto, é muito importante manifestar que você quer ser um doador. Seus familiares precisam saber qual é a sua vontade.
Uma das formas de manifestar a vontade de ser doador é por meio do seu perfil no Facebook. Uma parceria com o Ministério da Saúde possibilitou o cadastro de possíveis doadores na rede social. Basta clicar em "eventos cotidianos" na edição do seu perfil e escolher a opção "doador de órgãos".
Não há risco de os órgãos serem retirados com o paciente ainda vivo. A retirada acontece somente depois do diagnóstico de morte cerebral. Quando isso ocorre, a parada cardíaca é inevitável. Embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte cerebral não pode respirar sem aparelhos e o coração não baterá por mais de algumas poucas horas. Os critérios para identificar a morte encefálica são rígidos. São necessários dois exames clínicos com intervalo de seis horas e uma das avaliações deve ser feita por um neurologista.
Transporte de órgãos terá prioridade em voos
Nesta quinta-feira, o Ministério da Saúde assinou um acordo com as cinco principais empresas aéreas do país para que elas deem prioridade ao transporte de órgãos e tecidos para transplantes. Em casos de voos lotados, a empresas poderá pedir a um passageiro que ceda a sua vaga para o transporte do órgão.
As aeronaves que estiverem transportando órgão passam a ter prioridade para pousos e decolagens. O encarregado de acompanhar o órgão também terá prioridade no embarque e desembarque. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o acordo é apenas a formalização de uma relação que já existe de forma voluntária por parte das empresas.
O presidente da Associação das Empresas Aéreas, Eduardo Sanovicz, ressalta que são raras as situações em que um passageiro precisa ceder a vaga para o transplante do órgão. Segundo Sanovicz, geralmente o orgão pode ser levado na cabine do avião, mas algumas vezes é necessário o acompanhamento de um médico e é importante estar preparado para essa situação.