Será que a dor psicológica pode ser tratada como a dor física? Essa dúvida foi levantada por pesquisadores canadenses, que, para respondê-la, contaram com a ajuda de um remédio muito conhecido: o paracetamol. O analgésico teve a fórmula testada para servir como tratamento de problemas de fundo social, como o sofrimento causado pela morte de uma pessoa próxima. Os resultados da pesquisa indicam que a resposta ao questionamento que provocou o estudo pode ser positiva.
O experimento foi feito por dois professores da Universidade de Columbia (EUA) e publicado recentemente na revista Psychological Science. O líder do estudo, Daniel Randles, explica que o paracetamol foi escolhido por conta de resultados de pesquisas anteriores mostrando que o córtex cingulado dorsal anterior (DACC, pela sigla em inglês), área do cérebro responsável por sentimentos de rejeição social e de frustração, foi inibido pelo uso da substância.
- Usamos esse primeiro projeto como base. Já que o DACC também é suspeito de ser importante para a sensação de incerteza ou de confusão, queríamos ir mais a fundo, provocar esses sentimentos e saber se, ao tomar o remédio, os pacientes sofreriam mudanças significativas - conta Randles.
Os cientistas selecionaram estudantes de psicologia de diversos países e os separaram em dois grupos: o primeiro recebeu uma cápsula com 1g de paracetamol, o outro, com 1g de açúcar (placebo). Todos os participantes responderam a um questionário em que descreveram o que aconteceria com o corpo deles após a morte ou fizeram um texto sobre uma dor de dente. O grupo também teve que ler um boletim de ocorrência fictício de uma prostituta, e, como tarefa, determinar qual a fiança deveria ser paga por ela para ser solta.
O resultado encontrado pelos pesquisadores foi o esperado: as pessoas que tinham tomado o paracetamol descreveram a primeira tarefa de forma mais positiva e deram penas mais brandas à prostituta.
- Estávamos interessados em saber como as pessoas respondem à angústia existencial, e sabemos que essa angústia está associada a uma ativação no DACC. Acreditamos que a ação do paracetamol nessa região foi a responsável por esse resultado - complementa o coautor do estudo, o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Columbia Steven Heine.
Para confirmar os resultados, os professores fizeram um novo teste, semelhante ao primeiro. Os voluntários assistiram a pequenos vídeos, um deles com um título surrealista, Coelhos, de David Lynch, para provocar angústia e confusão.
- Utilizamos outras pesquisas que apontaram o tema surrealista como um agente provocante de desconforto nas pessoas - justifica Randles.
Depois, os participantes tiveram que determinar penas para uma história fictícia: grupo de desordeiros que havia feito baderna na cidade de Vancouver. O resultado foi o mesmo do primeiro exame: os estudantes que tomaram o placebo foram mais severos.
Uso difundido
O paracetamol, ou acetaminofeno, é um remédio com propriedades analgésicas, mas sem propriedades anti-inflamatórias clinicamente significativas. Bloqueia os receptores sensoriais do corpo que enviam a mensagem ao cérebro "dizendo" que há um foco de inflamação ou outro problema. Quando o cérebro deixa de receber esse aviso, a dor para. O paracetamol é um dos analgésicos mais utilizados no mundo, mas é altamente tóxico para fígado. Os médicos sugerem que não sejam consumidos mais de 4g diárias.
Nova linha de pesquisa
"O estudo aponta algumas falhas na execução, como não utilizar aparelhos que mostrem qual área do córtex foi realmente afetada e procedimentos que comprovassem o estado psicológico dos participantes. No resultado, fica difícil saber se eles responderam às penas dos baderneiros e da prostituta de maneira branda porque o sofrimento havia acabado ou somente diminuído com o efeito do remédio. Apesar de mais estudos serem necessários, acredito que a pesquisa seja válida porque é possível que trabalhos como esse contribuam para que, futuramente, uma linha de pesquisa de drogas venha a se abrir e, quem sabe, conseguiremos fórmulas que possam vir a diminuir sofrimentos psíquicos de fundo patológico."
Marcelo Kawano, neurologista cognitivo e professor do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF).