
A saúde mental dos trabalhadores deverá ser oficialmente avaliada e cuidada pelas empresas brasileiras a partir de 26 de maio. É o que está previsto na atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata de segurança e saúde no trabalho, com a publicação da Portaria nº 1.419/2024 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
As empresas terão de identificar, avaliar e gerenciar riscos psicossociais no ambiente de trabalho, que incluem metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais e falta de autonomia no trabalho.
Esses fatores podem causar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores, segundo a pasta.
A NR-1 já exigia que todos os riscos no ambiente de trabalho fossem reconhecidos e controlados, mas a falta de uma menção explícita aos riscos psicossociais suscitava dúvidas. A partir de maio, o gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger fatores relacionados a agentes físicos, químicos e biológicos, a acidentes e a fatores ergonômicos (relacionados à NR-17), incluindo agora os fatores de risco psicossociais.
Caso sejam identificados riscos, será necessário elaborar e implementar planos de ação, incluindo medidas preventivas e corretivas, como reorganização do trabalho ou melhorias nos relacionamentos interpessoais, conforme o ministério. Além disso, as ações deverão ser monitoradas continuamente para avaliar a eficácia e passar por revisões.
O MTE informou a Zero Hora que está elaborando um guia com orientações sobre os riscos psicossociais para orientar empresas e profissionais especializados.
Aumento de afastamentos
A atualização da norma regulamentadora é essencial para colocar em prática a promoção da saúde mental no trabalho e prevenir doenças — sobretudo diante do aumento de afastamentos e denúncias de violência, salienta Mayra Osório, psicóloga e presidente da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS).
Em 2024, o RS registrou 37 mil afastamentos do trabalho por saúde mental, sendo um dos Estados com maiores índices em relação à população.
— A pessoa se afasta para fazer um tratamento, mas volta para um ambiente que não é saudável. Então, ela pode voltar a adoecer. Essa normativa é importante para que as empresas também façam o papel delas e vejam que existe essa responsabilidade coletiva — argumenta Mayra.
Tire suas dúvidas sobre a atualização da NR-1
O que as empresas terão de fazer?
As empresas e organizações terão de identificar possíveis riscos à saúde mental no ambiente de trabalho e mapeá-los, explica Rafael Steigleder, advogado trabalhista do escritório Auro Ruschel Advogados Associados. Fatores como carga de trabalho excessiva, conflitos interpessoais e pressão psicológica deverão ser monitorados.
Além disso, será necessário criar planos de prevenção e mitigação dos riscos, implementar ações e revisar periodicamente a eficácia, realizando uma avaliação contínua, de modo a criar um ambiente saudável. A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho fornecerá fichas com orientações sobre as medidas a serem adotadas por empresas dispensadas da elaboração de Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
O advogado sugere cuidados e práticas que as empresas podem adotar, além de desenvolver políticas internas de prevenção ao assédio moral e sexual, item obrigatório pela norma:
- Definir comportamentos inaceitáveis no ambiente de trabalho
- Envolver RH, setor jurídico e gestores na criação e aplicação das políticas
- Oferecer treinamentos regulares e conscientização sobre saúde mental no trabalho, prevenção ao assédio e cultura organizacional saudável
- Implementar canais de denúncia anônimos e confiáveis
- Garantir proteção contra retaliação para quem denunciar abusos
- Coletar feedback dos empregados regularmente
- Aplicar medidas disciplinares contra condutas inadequadas
- Orientar gestores a ter cuidado para não exercer uma pressão psicológica que venha a causar algum problema de saúde mental
- Promover diversidade e inclusão e combater o preconceito
- Criar um protocolo para lidar com casos de assédio e abusos
Empresas que não se adequarem poderão ser multadas, e a fiscalização tende a aumentar, alerta o advogado:
— O importante é ter essa reforma da cultura organizacional dentro das empresas.
A psicóloga Mayra Osório recomenda, ainda, que as empresas ofereçam apoio psicológico, promovam um canal de acolhida e realizem rodas de conversa e atividades coletivas para discussões de temas relacionados à saúde.
O que os trabalhadores precisam saber?
Os trabalhadores têm direitos e deveres nesse processo, aponta Aloísio Costa Junior, sócio do escritório Ambiel Advogados e especialista em direito do trabalho. A norma exige a participação ativa dos empregados, contribuindo com comentários, sugestões e alertas, e, em caso de problemas, quando possível, comunicação ao empregador, à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), se houver, ou ao sindicato.
Se for comprovado que o trabalho causou adoecimento mental, como no caso de um burnout, o trabalhador pode ter direito a afastamento com auxílio-doença acidentário e estabilidade de 12 meses após o retorno. O empregador pode ser responsabilizado se for constatado que não adotou medidas de prevenção e combate. Caso julgue necessário, o trabalhador pode buscar indenização na Justiça do Trabalho.
Em caso de descumprimento da norma, é possível denunciar irregularidades aos órgãos competentes, como o Ministério do Trabalho ou Ministério Público do Trabalho.
— Precisamos olhar para a saúde mental dos trabalhadores, porque a situação está cada vez pior. Se o empregador toma medidas de prevenção e as pessoas participam, a tendência é que melhore — ressalta Costa Junior.
Como será a fiscalização?
A fiscalização será realizada de forma planejada e por meio de denúncias, conforme o MTE. Setores com alta incidência de adoecimento mental — como teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde — serão prioritários.
Os auditores fiscais buscarão dados de afastamentos por doenças como ansiedade e depressão, além de entrevistar trabalhadores e analisar documentos para identificar possíveis situações de risco.
Viviane Forte, coordenadora-geral de Fiscalização em Segurança e Saúde no Trabalho do MTE, explica:
— É auditado o processo de gestão de riscos, ou seja, se todos os perigos e riscos ocupacionais foram reconhecidos e, no caso da existência dos riscos psicossociais, se foram avaliados de forma adequada, se foram adotadas as medidas necessárias, em especial aquelas relacionadas à organização do trabalho, para evitar o adoecimento.
O que já está sendo feito pelas empresas?
As empresas vinculadas à Federação de Entidades Empresariais do RS (Federasul) e à Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) destacam a importância da saúde mental no trabalho e já vêm implementando medidas. A Federasul cita pesquisas de clima organizacional e treinamentos para lideranças, enquanto a Fecomércio menciona a avaliação de riscos psicofisiológicos pela NR-17.
Os empreendimentos já estão se organizando para mapear os riscos psicossociais, e a Fecomércio está conduzindo uma pesquisa sobre a adaptação. A orientação é abordar a saúde mental em treinamentos da CIPA e em reuniões.
O desafio principal é reduzir a subjetividade relacionada aos fatores psicossociais e diferenciar o que realmente está ligado ao ambiente de trabalho, conforme a Federasul. A expectativa é de que o MTE adote uma postura orientativa na fiscalização, permitindo uma adaptação gradual à nova exigência.
A Central Única dos Trabalhadores do RS (CUT-RS) afirma que os ambientes de trabalho enfrentam problemas como assédio, violência e adoecimento mental, com dificuldades de reconhecimento das situações que precisam mudar. A atualização da NR-1 promete tornar esses riscos e ambientes mais explícitos, segundo a entidade, que também defende uma atuação mais significativa dos trabalhadores das CIPAs. A expectativa é de que a nova exigência obrigue as empresas a discutir as condições de trabalho.