Mais de 70% da população atendida por um programa comunitário odontológico não sabia escovar os dentes corretamente. O dado foi verificado no projeto Expedição Novos Sorrisos, da empresa Neodent, que passou pelo Rio Grande do Sul no segundo semestre do ano passado atendendo pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A iniciativa passou por três cidades do Estado, Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas, além da capital paranaense e promoveu mil atendimentos. Segundo o levantamento, 55% apresentavam sinais de cárie clinicamente visíveis e 34% já tinham perdido pelo menos um dente.
Esses dados representam uma dificuldade de acesso às políticas públicas na área de saúde bucal, avalia o cirurgião-dentista e especialista em saúde coletiva da Neodent, João Piscinini:
— O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece diversos procedimentos para a saúde bucal. O grande desafio hoje é a questão do acesso, que inclui a quantidade de unidades de saúde e de profissionais ser proporcional ao tamanho das áreas de abrangência.
Hábitos e referências
Os números também podem estar associados com a dificuldade da população em vulnerabilidade social de aderir aos hábitos corretos de higiene bucal, como destaca o doutor em Saúde Bucal Coletiva e professor do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Matheus Neves:
— Quando falamos de escovação dentária, estamos falando de hábitos e comportamentos de saúde. Essas doenças que tem a ver com estilo de vida das pessoas exigem uma demanda comportamental. E quando falamos de pessoas vulnerabilizadas, com menos escolaridade, entramos em um cenário em que fica mais difícil a pessoa ter escova, fio e creme dental em casa.
Porém, o professor explica que as unidades básicas de saúde devem ter esses itens básicos de higiene à disposição da população, e cada área de abrangência do SUS precisa ter uma equipe de saúde bucal de referência para indicar aos pacientes.
Neves acredita que o que mais ajuda a diminuir os índices de doenças bucais é a prevenção:
— A recomendação é procurar a Unidade Básica de Saúde e o seu dentista de referência não só no momento da urgência. Mas, para isso, é necessária uma mudança de padrão cultural, de procurar o dentista para prevenção, tirando dúvidas e fazendo boas escolhas de saúde bucal baseada na informação dos profissionais especializados.
Há melhora
Apesar dos dados alarmantes identificados, diferentes levantamentos indicam que o cenário brasileiro no ramo de saúde bucal vem melhorando nos últimos anos.
A Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil), divulgada pelo Ministério da Saúde em 2024, analisou a saúde bucal de crianças de cinco anos entre 2021 e 2022. Conforme o estudo, 53,17% das crianças entrevistadas não tinham cáries dentárias. Em 2010, o número era de 46,6%.
Para Neves, é necessário entender a importância das políticas públicas aplicadas pelos governos — nos âmbitos federal, estadual e municipal — para compreender essa evolução positiva.
Ele destaca o Programa Brasil Sorridente, do governo federal, implementado em 2004, que tinha como objetivo ampliar o acesso à saúde bucal de populações em vulnerabilidade social. A experiência do programa deu base à instituição da Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do SUS, sancionada em 2023.
— Esse programa aumenta a oferta de profissionais de saúde bucal, ampliando a rede para oferecer tratamento odontológico na atenção básica e também com tratamento especializado. Entre as principais metas está reduzir os níveis de cárie e incorporar a saúde bucal no conceito geral de saúde — ressalta Neves.
O professor ainda destaca outra iniciativa que tem como propósito ampliar a prevenção de doenças bucais, a partir da disseminação de informação. É o Programa Saúde na Escola que, desde 2007, realiza ações de assistência à saúde em escolas públicas do país. Entre os temas abordados, está a saúde bucal.
*Produção: Elisa Heinski