A emergência de saúde declarada pelo Peru em relação ao aumento de casos da síndrome de Guillain Barré chamou atenção para a doença, suas causas e sintomas. O país já registrou 182 casos e quatro mortes neste ano.
No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) aponta que atualmente não há nenhum registro fora da normalidade. A pasta destaca, no entanto, que a síndrome não é de notificação compulsória, ou seja, não são obrigatórias as contabilizações.
Conforme a SES, como se trata de uma doença rara, a secretaria não tem ações específicas para o atendimento dos casos. Segundo levantamento feito pela reportagem de GZH, entre os hospitais consultados, apenas Santa Casa teve dois no início do ano e outros dois recentemente, e o Grupo Hospitalar Conceição tem dois casos em atendimento.
O médico neurologista Vítor Félix, do Grupo Hospitalar Conceição, está tratando atualmente dois pacientes acometidos pela síndrome, mas que estão em evolução.
— Um dos pacientes é um menino de 17 anos que teve um antecedente recente de gastroenterite, onde toda a família teve, mas ele após duas semanas, apresentou um quadro de fraqueza em que foi detectado a Guillain Barré, reforçando assim a síndrome após um quadro infeccioso.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) afirma que a síndrome de Guillain Barré não está nas listas nacionais, estaduais e municipais de notificação compulsória, porque não há representatividade tão expressiva do problema. A doença não tem transmissão de pessoa para pessoa.
— Muito provavelmente por este motivo, o Ministério da Saúde e os órgãos de vigilância em saúde, não estão considerando uma situação preocupante para o Brasil, e nem emitido alerta em relação ao turismo no Peru— explica a enfermeira Raquel Rosa, chefe da equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis da SMS.
No entanto, a enfermeira aponta que na maioria dos casos uma pessoa não tem a síndrome sem ter passado por um processo infeccioso anteriormente. Assim, o controle é feito através dessas doenças prévias, como a dengue, por exemplo.
— Existe uma proporção menor de casos de Guillain Barré que podem ser de origem não infecciosa, mas não é o comum. Essa síndrome tem causas variadas, muitas vezes , a exemplo do que aconteceu no Peru em 2019, foi um surto que identificaram que a causa das ocorrências de Guillain Barré estava associada a uma bactéria (Campylobacter) transmitida por alimentos contaminados. Assim, muitas vezes a síndrome se apresenta depois de uma gastroenterite — exemplifica Raquel.
Como a doença se manifesta
Segundo o Ministério da Saúde, a síndrome é um distúrbio autoimune, o sistema imunológico ataca os nervos que ligam o cérebro a outras partes do corpo. O professor Pablo Winckler, do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre compara as causas da síndrome a uma pane elétrica que ocorre no sistema nervoso.
— Os nossos nervos periféricos são como grandes cabos de eletricidade com milhões de fiozinhos pequenos por dentro deles. Esses nervos são os pontos desses cabos, que quando atacados resultarão em um mau funcionamento desse nervo periférico, ou seja, não passará o estímulo.
Assim, de acordo com o Ministério da Saúde, os pacientes afetados pela síndrome possuem sintomas caracterizados pela sensação de dormência, fraqueza e queimação nas extremidades inferiores, como pés e pernas, algo que progride para os braços e mãos. Com a evolução do caso ou dependendo do quanto o sistema periférico foi afetado, outros sintomas podem ocorrer, como sonolência, confusão mental, crise epiléptica, alteração do nível de consciência, perda da coordenação muscular, tremores e redução do tono muscular.
Esse ataque ao sistema nervoso ocorre, segundo o professor, porque o sistema imunológico acaba produzindo células ao tentar se defender de um agente infeccioso. Com isso, as células afetam o funcionamento dos nervos periféricos.
— E esse equívoco do nosso sistema imunológico muitas vezes é gerado porque tentamos atacar algum agente com o qual nós tivemos contato. Para melhorar nossa imunidade, o sistema imunológico desenvolve células de defesa para esse novo agente, porém de forma equivocada também acaba criando células que atacam o sistema nervoso periférico — conta.
O docente lembra que dessa forma, como os nervos também têm a função de mandar o comando para os músculos, o paciente também vai sentir a musculatura mais fraca, principalmente os mais potentes do corpo, que são os músculos das coxas, dos glúteos, dos ombros, dos braços.
Causas e controle
Por estar associada, na maioria das vezes, a infecções virais e bacterianas, o controle da síndrome de Guillain Barré é feito pela ocorrência e notificação de doenças prévias, tais como: zika, dengue, chikungunya, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, sarampo, gripe A, hepatite A, B, C, HIV, entre outras.
A chefe da Vigilância da SMS ressalta que a notificação é feita pelo chamado Evento Sentinela, que o Ministério da Saúde instituiu já há alguns anos.
— Aqui em Porto Alegre controlamos os casos de arbovírus, que causam dengue, zika, chikungunya e através dessas notificações, conseguimos realizar a vigilância de Guillain Barré, que é secundária a uma infecção causada por esses vírus — aponta Raquel.
Raridade, tratamento e diagnóstico
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a síndrome de Guillain Barré uma doença extremamente rara. No mundo afeta de uma a duas pessoas a cada 100 mil habitantes por ano. A ocorrência no Brasil é de uma a quatro pessoas a cada 100 mil habitantes. Os pacientes atingidos pela doença tem na maioria dos casos entre 20 a 40 anos de idade, isso porque é nesta faixa etária que o sistema imunológico é mais eficiente no combate a agentes infecciosos, aponta como hipótese, o professor Pablo Winckler.
Segundo os médicos, para chegar ao diagnóstico correto a entrevista médica - chamada de anamnese - é fundamental e o exame físico. E uma vez que essa suspeita é feita, exames complementares como uma punção lombar (cefalorraquidiano) que é retirada de um líquido que passa pela coluna, e outros exames complementares, como a eletroneuromiografia, auxiliam na consolidação da hipótese diagnóstica.
Segundo os médicos existem meios de aliviar os sintomas e impedir o avanço da doença. O tratamento pode envolver medicamentos como imunobiológicos, procedimentos de transfusão de plasma sanguíneo - chamada de imunoglobulina intravenosa - e técnicas de reabilitação.