
Novo estudo da Coalizão Covid-19 Brasil, composta por diversos hospitais brasileiros, aponta que pacientes que enfrentaram quadros graves da doença, especialmente aqueles que necessitaram de ventilação mecânica (respirador artificial), tiveram impacto de longa duração na saúde física e mental, na qualidade de vida e na capacidade de executar tarefas cotidianas após a alta hospitalar.
Durante um ano, 1.508 pessoas foram acompanhadas em intervalos regulares — três, seis, nove e 12 meses depois —, respondendo a questionamentos sobre sua condição de saúde. A pesquisa foi publicada na revista Intensive Care Medicine.
Os participantes do Coalizão VII foram divididos em quatro grupos, conforme o nível de gravidade dos quadros: quem não precisou de suporte de oxigênio; os que receberam oxigênio por máscara ou cânula nasal; aqueles que necessitaram de ventilação não invasiva ou oxigênio via cateter nasal de alto fluxo; e os que foram entubados e ficaram dependentes de ventilador mecânico.
De acordo com o médico intensivista Regis Goulart Rosa, pesquisador do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, única instituição do Rio Grande do Sul a integrar a Coalizão, esta etapa avaliou aspectos de interesse, principalmente, de pacientes e seus familiares. Entre os doentes que tiveram de se submeter a respirador artificial, 47% relataram novas incapacidades após a alta, como dificuldades para se locomover, cuidar da própria higiene, fazer compras e administrar as finanças pessoais.
Os pacientes podem apresentar essas novas incapacidades por abalos na capacidade física (fraqueza, fadiga, falta de ar, cansaço), na cognição e na saúde mental. Neste levantamento, especificamente, não foi avaliada a parte cognitiva, mas pesquisas semelhantes já permitem afirmar que é alta a ocorrência de declínio nessa função.
— Dos pacientes em ventilação mecânica, quase 50% apresentaram uma nova incapacidade. Se extrapolarmos esses dados para uma doença de magnitude global, são muitas pessoas que estão sofrendo com sequelas pós-covid. São sequelas duradouras e subdiagnosticadas. Ainda temos uma janela de oportunidade para reabilitá-las — comenta Rosa, destacando o impacto que essas condições representam no orçamento doméstico e também para o sistema de saúde como um todo.
Viviane Veiga, coordenadora de unidade de terapia intensiva (UTI) e pesquisadora do hospital A Beneficência Portuguesa de São Paulo, outra entidade que faz parte da Coalizão, ressalta que 25% dos doentes que passaram por ventilação mecânica necessitaram de, pelo menos, uma outra internação nos 12 meses subsequentes ao da infecção por coronavírus.
— Pacientes que precisaram de ventilação foram os que tiveram o pior desfecho: 5,6% dos que foram entubados tiveram algum evento cardiovascular, como infarto, AVC ou até óbito, nesses 12 meses. É o dobro de óbitos quando se compara com pacientes que não precisaram de ventilação — complementa Viviane, entrevistada do Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira (12).
A grande maioria dos participantes, segundo Rosa, não teve acesso a reabilitação específica depois de deixar o hospital.
— O estudo identifica uma população de risco para sequelas de longo prazo: os casos mais graves, especialmente os que precisaram de ventilação, mas nem todos precisaram. Essas complicações, na qualidade de vida, na saúde física ou mental, são tipicamente subdiagnosticadas, duradouras, perdurando por até uma década se não identificadas, e causam grande impacto para retornar ao trabalho e aos estudos. Faz todo o sentido ainda, neste momento da pandemia em que estamos, rastrear esses pacientes, resgatá-los e instituir reabilitação — afirma o intensivista.
No grupo de voluntários que não precisou de ventilação mecânica em decorrência da covid, não foram observados desfechos piores do que na população em geral.
— A ventilação é um marcador de gravidade. Quem precisa é quem teve doença mais grave. A ventilação não causa sequelas, mas todo o suporte de que esse paciente precisa não é isento de eventos adversos. Ajuda a salvar a vida na fase aguda, mas tem um preço — comenta Rosa.
O Coalizão VII acaba por abarcar a questão da covid longa, mas em contexto mais amplo, conforme o intensivista e pesquisador do Moinhos de Vento. Conforme definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a covid longa é definida como sintoma persistente que perdura por pelo menos três meses após o episódio inicial de covid-19 e para o qual não se consiga identificar outra causa plausível. Na pesquisa divulgada agora, realizou-se o acompanhamento de pacientes hospitalizados pela infecção por coronavírus e o impacto de diversos graus de severidade da doença na qualidade de vida, entre outros indicadores, a longo prazo.
— Claro que muitos deles têm covid longa, mas outros têm complicações de doença crítica, após longas internações. Complicações de pacientes graves não se restringem apenas à covid. Se teve uma coisa boa da pandemia é que ela chamou a atenção para a necessidade de reconhecimento e reabilitação desses pacientes — conclui Rosa.
Além do Moinhos de Vento, integram a Coalização Covid-19 Brasil o Hospital Israelita Albert Einstein, Hcor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).
O estudo
- Foram acompanhados 1.508 pacientes, internados em 84 hospitais do Brasil, que também participaram dos outros estudos conduzidos pela Coalizão Covid-19
- Os voluntários foram classificados em quatro grupos: os que não precisaram de suporte de oxigênio; os que receberam oxigenação por meio de máscara ou cânula nasal; os que necessitaram de ventilação não invasiva ou oxigênio por cateter nasal de alto fluxo; e os que foram entubados e necessitaram de ventilação mecânica
- Realizou-se monitoramento periódico por meio de contatos telefônicos — três, seis, nove e 12 meses após a alta hospitalar. Os pacientes foram questionados sobre qualidade de vida, sintomas persistentes, complicações de saúde e outras doenças