Não há estudos confiáveis mostrando resultados positivos do uso de óleo canabidiol, composto derivado da cannabis, no tratamento contra o Alzheimer. A afirmação consta de nota do fim de setembro emitida pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN), entidade médica que norteia médicos neurologistas de todo o país. A instituição destaca que a substância não deve ser usada em nenhum momento do tratamento.
O posicionamento veio após repercussão de um estudo de caso publicado em julho na revista Journal of Medical Case Reports por pesquisadores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). O artigo descreve efeitos positivos do canabidiol em um agricultor de 75 anos da cidade de Planalto (PR) com problemas de memória e desorientação temporal e espacial. Após 22 meses de tratamento, ele teve grande melhora na doença de Alzheimer, além de reportar melhor humor, foco, sono e memória.
A Academia Brasileira de Neurologia diz que estudos de caso são importantes para documentar situações de interesse científico, mas que são frágeis para orientar médicos. Para uma medicação ser receitada, diz a entidade, deve haver comprovação de benefício com ensaios clínicos controlados e uso de placebo. Nesse tipo de pesquisa, considerada de alta qualidade, cientistas comparam quem usa o remédio versus quem não usa nada.
A Academia Brasileira de Neurologia reforça que seu painel de especialistas constatou que “não há evidência científica que corrobore o uso do THC (tetrahidrocanabinol) ou do CBD (canabidiol) para tratamento dos sintomas cognitivos ou neuropsiquiátricos da doença de Alzheimer, tampouco para reversão ou estabilização da doença”.
— Há estudos em animais e in vitro, mas isso não necessariamente indica resposta clínica. É como o que aconteceu com a cloroquina, que funcionava in vitro e médicos relatavam que funcionava em pacientes, mas, quando se fez ensaio clínico randomizado, se viu que não funciona. A Academia Brasileira de Neurologia não recomenda o uso em nenhuma situação contra o Alzheimer — diz Adalberto Studart Neto, médico do departamento científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento da ABN e neurologista no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
A Academia Brasileira de Neurologia não tem o poder de proibir que médicos receitem óleo de canabidiol para pacientes com Alzheimer, uma vez que profissionais têm autonomia para prescrever tratamentos. Todavia, é a entidade médica especializada na área cujos posicionamentos norteiam a atuação da classe.
Desde 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a compra de canabidiol em farmácias para tratamento contra epilepsia e autismo. A partir daí, ganhou força entre médicos o uso da substância em pacientes com alterações comportamentais graves de Alzheimer que não respondem a tratamentos tradicionais, em uso off label - isto é, não descrito na bula.
Em casos avançados, idosos com Alzheimer ficam agressivos, paranoicos, irritados e insones. Estudos iniciais mostram que o canabidiol aliviaria tais sintomas. A ABN, todavia, destaca que tais pesquisas são frágeis e que o uso de canabidiol não deve ocorrer nem para esse tipo de caso. Segundo a ABN, há cerca de 30 milhões de pessoas no mundo com Alzheimer e 10 milhões novas a cada ano. No Brasil, são cerca de 1,5 milhões de idosos com a doença.
É comum familiares de pacientes com Alzheimer questionarem, em consultório, se o canabidiol pode ser usado como tratamento, diz Raphael Castilhos, médico neurologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor de Neurologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Não temos estudo grande que mostre que funciona ou não funciona. Não posso transpor a segurança do uso em pacientes com epilepsia para os pacientes com Alzheimer, são doenças diferentes. Não existe cura para o Alzheimer que interrompa o processo neurodegenerativo — diz Castilhos.
O Alzheimer é uma doença marcada pela morte de neurônios por conta do acúmulo de duas proteínas, TAU e beta-amiloide. Estudos iniciais em animais e em laboratório indicam que o canabidiol dificulta o crescimento dessas proteínas.
— Não temos certeza ainda dos efeitos colaterais, o que acontece com uso prolongado e a interação com outros remédios. Usa-se para casos de agitação que não respondem aos remédios conhecidos — afirma Alberto Maia, médico neurologista do Núcleo de Estudos da Memória do Hospital Moinhos do Vento, citando que alguns médicos receitam a substância para casos graves de Alzheimer com problemas severos de comportamento.