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A pandemia de covid-19 completa neste 11 de março dois anos, e o sobe e desce das curvas de casos e óbitos ao longo deste período teve dois fatores como protagonistas: as variantes e as vacinas. Se, de um lado, esforços para desenvolver e aplicar imunizantes atuaram no controle da mortalidade e na circulação do vírus, do outro, a própria natureza dos Sars-CoV-2 de evoluir, adquirir maior poder de transmissão e escapar da imunidade fez com que as infecções retomassem o fôlego em diversos momentos.
Moldada por essas forças, a pandemia acumula, em termos globais, quase 450 milhões de casos e mais de 6 milhões de mortes, além de 10,9 bilhões de doses de vacinas aplicadas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia, os dois anos de coronavírus já provocaram mais de 650 mil mortes, o segundo maior número de vítimas do mundo. O país tem uma taxa de 306 mortes a cada 100 mil habitantes, a segunda maior proporção entre os dez países que mais tiveram vítimas da doença.
Integrante do Observatório Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Raphael Guimarães explica que, ao se multiplicar, qualquer vírus pode evoluir para uma versão mais eficiente de si mesmo, infectando hospedeiros com mais facilidade. Quando a mutação dá ao vírus um poder de transmissão consideravelmente maior que sua versão anterior, nasce uma variante de preocupação.
– O que a gente vive dentro de uma pandemia é uma guerra em que a gente está tentando sobreviver, e o vírus também está tentando – resume Guimarães. – Cada vez que a gente dá a ele a chance de circular de forma mais livre e tentar se adaptar a um ambiente mais inóspito, o que ele está fazendo é tentar alterar sua estrutura para sobreviver.
O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, acrescenta que impedir que um vírus sofra mutações ao se replicar é impossível, porque isso é da própria natureza desses micro-organismos. Apesar disso, é possível dificultar esse processo, criando um ambiente com menos brechas para ele circular. E é aí que as vacinas cumprem outro papel importante.
– A gente pode reduzir esse risco aumentando a cobertura vacinal no mundo inteiro. A Ômicron apareceu na África, que é o continente com menor cobertura vacinal – lembra Chebabo.
Enquanto Europa, Américas e Ásia já têm mais de 60% da população com duas doses ou dose única, o percentual na África é de 11%.
– Se a gente conseguir equalizar a cobertura vacinal nos diferentes países, a gente tem um menor risco de ter uma variante aparecendo dessa forma – diz o especialista.
O papel fundamental das vacinas
É unânime entre os pesquisadores que, se as ondas de contágio podem ser relacionadas à evolução das variantes, o controle das curvas de casos e óbitos se deu com a vacinação. A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Flávia Bravo, afirma que é inegável o papel das vacinas na queda da mortalidade por covid-19 ao longo destes dois anos.
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– No início, vacinaram-se os idosos mais velhos, para depois ir descendo por idade e para pacientes com comorbidades. E, se olhar no miúdo a interferência da vacina no número de mortes, fica evidente, a partir da vacinação desse grupo das maiores vítimas, uma queda coincidindo com o aumento da cobertura – avalia ela, que também resume a pressão das variantes no sentido contrário, aumentando os casos:
–Começamos no Brasil com a cepa original, depois a Gama começou a predominar, foi substituída pela Delta, veio a Ômicron, e esse balanço nas nossas curvas foi acompanhando justamente essas novas variantes que foram se espalhando pelo mundo.
A pediatra considera que problemas na disponibilidade de vacinas no início da imunização e a circulação de variantes também levaram o Brasil a ser um dos países mais afetados pela pandemia de covid-19.
– Se a vacinação tivesse começado mais cedo e com uma oferta de doses maior desde o início, com certeza o panorama que a gente vivenciou teria sido diferente. Mas, ainda que tenhamos atrasado o início e a disponibilidade de doses também tenha demorado, chegamos a coberturas tão boas ou até melhores que muitos países, inclusive com esquema completo – afirma a diretora da SBIm.
Gama, o terror brasileiro
Desde que o coronavírus original, identificado em Wuhan, na China, começou a se espalhar, ainda no fim de 2019, a OMS classificou cinco novas cepas como variantes de preocupação. Mais sete chegaram a ser apontadas como variantes sob monitoramento ou variantes de interesse, mas não reuniram as condições necessárias para justificarem o mesmo nível de alerta.
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Para que as mutações genéticas do vírus sejam consideradas de preocupação, elas devem ter características perigosas, como maior transmissibilidade, maior virulência, mudanças na apresentação clínica da covid-19 ou diminuição da eficácia das medidas preventivas.
O padrão de batizar as variantes com letras do alfabeto grego foi uma alternativa adotada pela OMS para evitar que continuassem sendo identificadas por seu local de origem, como chegou a acontecer com a Alfa, a que foi referida como variante britânica, ou a Gama, como cepa de Manaus.
– A Gama foi o nosso grande terror, porque foi o surgimento de uma variante de preocupação aqui antes que a gente tivesse iniciado a vacinação. Até a gente conseguir avançar, ela já tinha se espalhado – afirma o virologista e coordenador da Vigilância Genômica de Viroses Emergentes da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca coordenou o trabalho que confirmou a existência da variante Gama.
A disseminação da variante Gama causou colapso no sistema de saúde do Amazonas entre o fim de dezembro e janeiro de 2021. A sua disseminação pelo país levou à lotação das unidades de terapia intensiva em praticamente todos os Estados ao mesmo tempo. O cenário continuou a se agravar até março e abril de 2021, quando a média móvel de mortes por covid-19 teve picos de mais de 3 mil vítimas diárias. Em 17 de março, a Fiocruz classificou a situação como o maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil.
Vacinação, o início para o fim
Iniciada em 17 de janeiro de 2021, a vacinação no Brasil ainda estava em estágio inicial durante a disseminação da variante Gama, e, quando o pico de óbitos foi atingido, menos de 15% da população tinha recebido a primeira dose. À medida que a vacinação dos grupos prioritários avançava, porém, a média móvel de mortes começou a cair no Brasil a partir de maio de 2021.
O Brasil conta em sua estratégia de vacinação com os imunizantes da Pfizer, AstraZeneca, CoronaVac e Janssen.
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Até esta quinta-feira (10), o Brasil havia aplicado 352.047.311 de doses de vacinas contra a covid. Desse total, 174.176.768, o equivalente a 81,08% da população total, havia recebido ao menos uma dose. Entre esse público, 157.257.674 milhões receberam a segunda dose, o que representa 73,2% da população. Outros 37.029.030 receberam a dose de reforço.
Já em relação à vacinação pediátrica (para crianças de cinco a 11 anos), o Brasil chegou a 10.312.100 doses, o equivalente a 50,30%% deste público.
Olhando para o Rio Grande do Sul, o Estado aplicou 22.202.902 doses de vacinas. Hoje, o RS tem 75,4% da população com duas doses – ou ao menos uma dose da Janssen – e 34,3% dos residentes com a dose de reforço. Focando nas crianças, o Estado 49,5% do público vacinado com ao menos uma dose, esse percentual, entretanto, não é linear. Com municípios tendo taxas distintas.