
As cenas se repetem. Na pauta de reuniões de gestores e equipes assistenciais, discutem-se planos de contingência, fluxos de atendimento e mobilização de áreas de apoio para enfrentar um período difícil. A dúvida é sobre o nível de exigência que os próximos dias e semanas pedirão dos profissionais. Extenuados após dois anos de mobilização pela pandemia, eles, agora, precisam combater a variante Ômicron do coronavírus, com potencial de transmissão nunca visto até aqui.
Coordenador assistencial das emergências Adulto e Pediátrica do Hospital Moinhos de Vento (HMV), em Porto Alegre, o enfermeiro Sidiclei Carvalho precisa equacionar buracos em escalas – as tarefas de quem se ausenta, por suspeita ou confirmação de covid-19 ou gripe, são distribuídas entre colegas, que cumprem horas extras. Aqueles que seguem aptos a trabalhar, em consequência, são sobrecarregados, ficando também mais esgotados e expostos a contaminações.
– Encontramos dificuldades com o afastamento de colaboradores das áreas de maior pressão, como Emergência e Centro de Tratamento Intensivo – detalha Carvalho.
Enfermeiros são especialmente exigidos. Trata-se da especialidade que mais se envolve com a triagem de pacientes, fazendo a avaliação inicial e passando orientações, explica Carvalho. Os profissionais encerram o expediente debilitados pelos permanentes estado de alerta e uso da voz – em tom mais elevado para vencer a barreira dos equipamentos de proteção individual (EPIs).
– É muito triste. Toda essa logística para atender a uma demanda que a gente não contava que voltasse agora. Cansa muito – desabafa o coordenador.
Com a virada do ano e o estouro no número de casos, Carvalho observou um aumento de 60% na capacidade de atendimento, em comparação com a situação pré-pandemia.
– A porta da emergência está saturada, mas não por gravidade – diz o enfermeiro.
A maior parte dos pacientes apresenta queixas de sintomas gripais de baixa complexidade (dor de cabeça e de garganta, coriza, febre), não se convertendo em internados nas áreas de enfermaria ou terapia intensiva.
– O pessoal vem porque fica com medo. Há mais pacientes preocupados em identificar o vírus, querem saber o que é, estão preocupados com a família. Eles vêm também porque tiveram contato com alguém que positivou. Não é bem uma demanda para emergência. Deveriam explorar mais os atendimentos de telemedicina. Quanto mais eles circularem, maior a chance de o vírus circular na comunidade – observa Carvalho.
"Confiamos na adesão às vacinas, seremos um pouco poupados", diz médico do Hospital de Clínicas
José Pedro Kessner Prates Junior, pneumologista e chefe médico do Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), detalha que o setor é dedicado ao atendimento de pacientes graves e crônicos, muitos deles já em acompanhamento ambulatorial na instituição. Desde o início de 2022, dobrou o número de casos sintomáticos respiratórios agudos graves.
– Dentro desse grupo, de 10% a 20% eram covid. Agora, de 30% a 40% são covid. Temos volume maior de atendimentos e também de casos positivos – constata Kessner.
Cerca de metade desses pacientes são estabilizados, passam por exames, ficam um período em observação e recebem alta. A outra metade é internada no HCPA ou transferida para o Hospital Independência, entidade de retaguarda na rede pública.
– Chamam a atenção, nos casos positivos, os que têm esquema vacinal ainda incompleto ou que não se vacinaram, mas a maioria é de pacientes com duas doses, que estão aguardando a terceira ou que recém fizeram a terceira – comenta o médico.
A movimentação dos últimos dias não surpreende o pneumologista:
– Já vínhamos na expectativa de uma nova onda. O que acontece na Europa e nos Estados Unidos vem para a região sul em dois meses, em média, depois de São Paulo e Rio de Janeiro. Mantivemos uma contingência mínima organizada na Emergência e na Enfermaria e temos um plano de ação se aumentar a demanda.
Os bons índices de imunização da população na Capital e no Rio Grande do Sul tranquilizam o médico.
– Estamos confiantes de que não teremos um pico tão grave como foi o do ano passado. Confiamos na adesão às vacinas, seremos um pouco poupados – avalia Kessner.