Diante do agravamento da pandemia no Rio Grande do Sul, instituições e profissionais de saúde estão apostando na conscientização da sociedade para evitar uma piora ainda maior do cenário nos hospitais do Estado. Dentre as campanhas criadas, surgiu o movimento Unidos pela Saúde contra o Colapso, que reúne dezenas de profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus e tem como objetivo alertar para o risco de uma catástrofe humanitária sem precedentes.
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (1º), o chefe da Unidade de Gestão de Paciente Crítico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e integrante da iniciativa, Fabiano Nagel, falou sobre o movimento e relatou a situação atual dentro da instituição de saúde. Segundo ele, ninguém está a salvo de adoecer pela covid-19 e precisar de recursos, que atualmente estão esgotados, já que não há leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) disponíveis em Porto Alegre.
— As emergências estão abarrotadas de pacientes, com dezenas em ventilação mecânica invasiva fora da UTI. Além disso, nós temos pelo menos 25 pacientes em pronto atendimento de Porto Alegre aguardando UTI e isso vem se mantendo há dias. A taxa de mortalidade no Estado na última semana aumentou em 60%. Essa é uma situação de emergência de saúde pública e nenhum dos nossos entes queridos está livre do risco de não conseguir ser atendido caso adoeça — ressaltou.
O colapso temido pelos profissionais que assinam o manifesto não passa apenas pela questão do salto em número de casos e ocupação de leitos, mas da capacidade da rede para novos pacientes. Questionado sobre a criação de novos leitos, Nagel afirmou que a estrutura física para essa expansão é limitada, pois existe a necessidade de instalações, e que o problema também se estende à quantidade de profissionais disponíveis. Segundo ele, não adianta haver leitos de UTI sem uma equipe altamente qualificada que possa utilizar os equipamentos disponíveis para salvar a vida dos pacientes.
O médico salientou que os profissionais de saúde precisam oferecer apoio emocional aos pacientes, o que gera um desgaste ainda maior. Além disso, disse que infelizmente já acompanhou a morte de centenas de pessoas ao longo da pandemia:
— Costumo dizer que quando nós vemos um paciente se despedir do seu familiar ao telefone, todos nós morremos um pouquinho naquele momento, porque nós sabemos que existe uma chance muito razoável daquela pessoa nunca mais sair da UTI com vida, e essa é uma situação de todos os dias, não é uma eventualidade, fazemos isso todos os dias, o dia todo.
Em relação à escolha dos pacientes que serão ou não atendidos, Nagel enfatizou que se trata de um dilema moral e ético que muitos profissionais já estão enfrentando, pois há muitas pessoas esperando um leito na UTI. Ele também afirmou que essas decisões precisam ser feitas às custas de um trauma permanente na vida dos profissionais, gerando um impacto direto na vida pessoal de todos os envolvidos.
— Nós nunca esquecemos essas decisões, nós não vamos para a casa e seguimos nossa vida normalmente, nós levamos aquele caso, aquela decisão, conosco, para o nosso lar, para a nossa família, na nossa consciência, e isso é uma sequela que vai ficar em todos nós em definitivo. Não existe como simplesmente desligar um botão e voltar a vida normal — relatou.
Unidos contra o colapso
Conforme adiantou a colunista de GZH Rosane de Oliveira, o movimento é uma iniciativa do publicitário Eduardo Corrêa da Silva e de seu sócio Alessandro Irigoyen da Costa, donos da CCM Group, empresa que organiza congressos médicos. Integrado por profissionais da saúde que atuam em hospitais públicos e privados, dirigentes de instituições de saúde, pesquisadores e profissionais ligados à área, o movimento visa mostrar a realidade da pandemia sem filtros para impedir que mais pessoas morram por falta de atendimento.
Para isso, o grupo decidiu promover campanhas nas redes sociais usando mensagens fortes, inspiradas nas cenas impressas em carteiras de cigarro, para desestimular as aglomerações. Entre os médicos, cresce também a ideia de divulgar imagens a que a imprensa não tem acesso, do interior das emergências e das UTIs.
Os primeiros cards são direcionados aos jovens, público apontado como o que mais resiste em adotar as medidas de segurança. Para chamar a atenção dessas pessoas, a iniciativa tem investido além das postagens de relatos fortes no Instagram, convocando personalidades como o técnico Renato Portaluppi e o jogador Geromel para pedir a conscientização de todos.
Durante a entrevista ao Timeline, Nagel ressaltou que se trata de uma iniciativa apolítica e apartidária para fazer com que todos tenham a noção clara de que o papel fundamental para evitar que a situação continue é individual, que cada um precisa tomar as ações necessárias para contribuir com o combate à covid-19, levando muito a sério as recomendações de distanciamento social, higiene de mãos e utilização de máscara em todos os ambientes.
— Como sempre, a sociedade tem nas suas mãos a possibilidade de resolver esse enorme problema, seguindo as orientações das entidades representativas da saúde. Todas essas entidades, instituições e associações estão representadas parcial ou totalmente nesse grupo com o intuito de esclarecer para as pessoas o que deve ser feito, que é assumir a responsabilidade para tentar evitar uma catástrofe ainda maior — concluiu.