A Justiça Federal em Brasília autorizou três entidades a importarem vacinas contra a covid-19 sem a necessidade de doar os imunizantes para o Sistema Único de Saúde (SUS), como prevê lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Na decisão, o juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, afirma que a doação coativa imposta pela legislação é inconstitucional, gerou retrocesso e acabou desestimulando e impedindo a participação do setor privado no processo de imunização contra o coronavírus. A decisão é liminar e cabe recurso.
A decisão beneficia a Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo do Distrito Federal, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, que protocolaram pedidos semelhantes na Justiça. A medida vale exclusivamente para essas entidades, segundo a Justiça Federal do Distrito Federal (JFDF).
O artigo 2º da lei 14.125, de 10 de março de 2021, prevê a doação de 100% das doses importadas pelo setor privado ao SUS neste primeiro momento, onde os grupos prioritários estão sendo imunizados. Em uma segunda etapa, esse percentual cai para 50%.
“No mundo formal do ‘papel’, a aparência é de que, enfim, liberou-se o reforço da iniciativa privada na execução do programa de imunização dos brasileiros contra o novo coronavírus. Mas, no mundo da verdade material, o art. 2º não apenas afastou ainda mais essa possibilidade, como, também, criou uma inexplicável distorção de tratamento entre as empresas/entidades que decidissem aceitar a doação coativa por ele imposta”, diz o juiz em trecho da decisão.
Segundo o magistrado, a doação coativa das vacinas a serem importadas “acabou por legalizar verdadeira tentativa de usurpação inconstitucional da propriedade privada”.
“Trata-se de tentativa de usurpação inconstitucional porque, no caso, a transmissão forçada da propriedade privada para o Estado (definida como condição para a legalização das operações de importação das vacinas) não se amolda a nenhuma das hipóteses albergadas pela nossa Carta Política”, afirma o juiz.
Spanholo avalia que a lei é deficiente e insuficiente no sentido de garantir o direito fundamental à saúde e à vida dos brasileiros. No início de março, o mesmo juiz autorizou o Sindicato dos Motoristas Autônomos de Transportes Privado Individual por Aplicativos do Distrito Federal (Sindmaap) a importar vacinas. A decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Procurada pela reportagem de GZH, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que não vai comentar o assunto neste momento "em face de eventual atuação judicial ou extrajudicial que o caso possa vir a demandar (se for o caso)".