Após mais de dois meses e muitos momentos de medo e aflição para os pais, o menino paraense Caio Alexandre Ferreira Sousa, de nove meses de idade, recebeu, em 9 de fevereiro, o tão aguardado transplante de órgão de que dependia para permanecer vivo. O novo fígado do menino chegou ao Rio Grande do Sul de avião e, depois, foi transportado em um helicóptero até a Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Da janela do hospital, a mãe, Diana Ferreira, 35, filmava o pouso da aeronave e não continha a emoção.
— É o do Caio. Glória a Deus! — celebrou, no vídeo gravado por ela com seu celular.
A chegada do órgão encerrou uma procura que pareceu perdida em alguns momentos. Caio sofria de atresia das vias biliares, uma doença que compromete o funcionamento do fígado e pode causar cirrose e até a morte. A família é de Santarém, no Pará, Estado que não possuía especialistas e estrutura para fazer o procedimento complexo. A solução encontrada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi transferi-los para Porto Alegre, distante quase 4 mil quilômetros da cidade paraense.
Diana e Caio chegaram à capital gaúcha em 11 de dezembro de 2020. A ideia inicial era de que o pai do garoto, Carlos Alexandre Sousa dos Santos, 29, fosse o doador, mas os médicos constataram nele um problema de saúde. Depois, a mãe se disponibilizou, mas precisaria emagrecer 10 quilos em pouquíssimos dias, enquanto via o quadro do menino se agravar.
Já em desespero, a família foi informada pela Central de Transplantes do Estado sobre a localização do fígado de uma pessoa que teve morte encefálica confirmada em um outro Estado — o local exato é mantido em sigilo médico. As médicas da Santa Casa Cristine Trein e Angélica Lucchese viajaram para fazer a captação do órgão. Depois, voltaram em um avião cedido pela Brigada Militar, que pousou no aeroporto Salgado Filho. Do terminal, o fígado foi levado direto até o heliponto sobre o Hospital Dom Vicente Scherer.
No mesmo dia em que o órgão chegou, foi realizada a cirurgia. O procedimento foi considerado um sucesso pela equipe médica. O menino se recupera bem, apesar de algumas intercorrências.
— Sabia que era a chance de meu filho reviver, renascer, porque ele já não tinha muitos dias de vida. Com esse fígado novo, ele está renascendo a cada dia mais, podendo comer direito, viver direito e em breve estar de volta a Santarém — comemorou a mãe.
Além da alegria pelo transplante do filho, Diana admite ter sido surpreendida com a acolhida no Rio Grande do Sul. Sem conhecer ninguém, chegou com o dinheiro contado para o hotel — ela trabalhava na construção civil e perdeu o emprego durante a pandemia. No entanto, uma rede de solidariedade surgiu após outras pessoas ficarem sabendo da sua história. A família de Matheus Baasch, menino catarinense que veio para a Santa Casa em situação semelhante, doou dinheiro. Uma mulher decidiu ceder um apartamento nas proximidades para a mulher enquanto o menino estiver em tratamento.
— O povo gaúcho é maravilhoso. Desde as equipes médicas, as outras mãezinhas de bebês que precisam de transplante, as pessoas que estão dando suporte pra a gente, sempre perguntando se faltava alguma coisa. A pessoa que cedeu o apartamento enquanto precisarmos e todos que estou conhecendo ao longo dessa caminhada. Serei eternamente grata ao povo gaúcho — relatou.
Pandemia prejudicou transplantes
Enfermeira da Organização de Procura de Órgãos da Santa Casa de Porto Alegre e uma das envolvidas na localização do fígado, Kelen Machado explica que é necessário que as pessoas comuniquem aos familiares o interesse em ser doador. Além disso, afirma que a pandemia prejudicou os transplantes no Rio Grande do Sul.
— A gente acaba tendo muita dificuldade porque quem autoriza é a família, que muitas vezes não sabe do desejo do falecido. Muitos pacientes morreram na fila, perdemos muitos que aguardavam na lista, com a pandemia e a negação de famílias. É extremamente importante a mobilização da sociedade para pensar sobre esse assunto e que possam se declarar doadoras — informou.
A Santa Casa possui a campanha "1 salva 8", que tenta conscientizar sobre a necessidade de aumento de doadores. Segundo dados colhidos pela instituição, mais de 40 mil pessoas aguardam por um órgão no Brasil e 40% das famílias não autorizam a doação.