Em meio a tantas preocupações com a saúde em razão da pandemia, os brasileiros terão de lidar com mais uma angústia — e desta vez associada ao bolso. Os reajustes de valores dos planos de saúde, suspensos em 2020 em virtude do avanço do coronavírus, começarão a ser cobrados pelas seguradoras neste mês.
A regra vale para quem tem planos de saúde com renovação entre setembro e dezembro — os anteriores não tiveram congelamento. A cobrança dos valores que deixaram de ser pagos em 2020 será feita diretamente no boleto do beneficiário e em até 12 parcelas mensais de igual valor.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que o reajuste deverá ser de até 8,14% para os planos individuais ou familiares contratados a partir de janeiro de 1999.
A medida tem causado protesto de entidades ligadas ao direito do consumidor. Advogado e especialista em Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Matheus Falcão explica que a cobrança retroativa tira uma pretensa vantagem do usuário em meio a um período de dificuldades financeiras generalizadas trazidas pela pandemia.
Ele explica que, na ocasião da medida, no ano passado, não havia previsão de reajuste retroativo, mas em novembro houve o anúncio dessa possibilidade para recuperar as cobranças do ano passado.
— A ANS não havia falado em recomposição retroativa, então precisa haver uma ação do poder público para evitar essa prática — aponta.
O Idec pediu que a Justiça Federal do Distrito Federal proíba a recomposição das mensalidades dos planos de saúde até que a ANS esclareça os fundamentos da medida e abra espaço para a participação dos consumidores na decisão. No entanto, até terça-feira (5), não havia definição.
— A possibilidade de não arcar com reajuste não é ruim, mas a medida foi incompleta, pois inicialmente beneficiou apenas consumidores que teriam a correção no final do ano, e ainda reservou essa surpresa indesejada da retroatividade — afirma.
A advogada Juliane Seadi Lipp, especialista em Direito do Consumidor do escritório Lini & Pandolfi, lembra que, além da correção anual de mensalidade, os beneficiários poderão ter que arcar com o possível reajuste de faixa etária — que em alguns casos pode superar os 30%.
— Geralmente esses aumentos ocorrem principalmente para quem está na faixa etária mais alta, e que precisa se resguardar da pandemia e manter os planos de saúde — observa ela.
Juliane explica que, caso receba a cobrança, o consumidor questione suas operadoras sobre as condições de pagamento e peça explicações sobre os custos que elevaram a mensalidade.
— Caso o consumidor não concorde com a cobrança, poderá fazer o pagamento e depois cobrar esclarecimento, em posse de seus direitos — afirma.
Em posicionamento enviado à reportagem, a ANS explica que buscou, com o parcelamento, minimizar o impacto para os beneficiários e preservar os contratos estabelecidos. A agência estabeleceu ainda que, "para que o usuário do plano de saúde saiba exatamente o que está sendo cobrado, os boletos ou documentos de cobrança equivalentes deverão conter de forma clara e detalhada: o valor da mensalidade, o valor da parcela relativa à recomposição e o número da parcela referente à recomposição dos valores não cobrados em 2020".
O comunicado diz ainda que "cabe esclarecer que o percentual de reajuste autorizado para o período de maio de 2020 a abril de 2021 observou a variação de despesas assistenciais entre 2018 e 2019, período anterior à pandemia e que, portanto, não apresentou redução de utilização de serviços de saúde. Os efeitos da redução serão percebidos no reajuste referente a 2021".