Os ônibus costumam ser apontados como um dos locais mais perigosos para uma eventual contaminação por coronavírus, mas um estudo divulgado nesta quarta-feira (16) pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) procura desfazer essa imagem.
O trabalho da entidade comparou o número de passageiros transportados em 15 sistemas de diferentes lugares do Brasil, incluindo a área metropolitana de Porto Alegre, com a incidência de novos casos de covid-19. A conclusão da análise é de que não existe evidência de que o aumento no uso do ônibus leve a um crescimento da pandemia — mas especialistas recomendam cautela nessa interpretação.
A pesquisa comparou o número de viagens realizadas com os casos da doença observados sete dias mais tarde considerando que, em caso de contaminação, este seria o prazo para manifestação do vírus. O texto diz que "não foi observada associação entre o número de passageiros transportados por ônibus e aumento do número de casos". Os pesquisadores dividiram os dados em semanas epidemiológicas (período de tempo utilizado para monitorar doenças, com começo sempre em um domingo e término no sábado seguinte) entre 29 de março e 25 de julho.
No caso da Grande Porto Alegre, a pesquisa analisou somente as viagens intermunicipais. A conclusão é de que a área metropolitana fica no grupo de cidades em que houve pouca oscilação na demanda por transporte e crescimento na transmissão nas semanas mais recentes. O estudo apurou que houve redução na quantidade de viagens realizadas entre as semanas 26 e 28 (21 de junho a 11 de julho), e, mesmo assim, cresceram as contaminações nas duas semanas posteriores.
Em outros períodos e lugares do país, o trabalho identificou a tendência oposta, com crescimento no número de usuários e posterior queda de contágios. Por isso, conclui não haver evidência "de que o maior número de passageiros em ônibus leva a um maior risco de disseminação da covid-19".
Epidemiologista e consultor do Hospital de Clínicas, Jair Ferreira diz que o estudo realizado pela NTU é do tipo "ecológico", ou seja, compara a frequência de dois fenômenos com foco na população em geral, e não em pessoas específicas. Por isso, são menos exaustivos do que análises focadas em grupos selecionados.
— Há muitas variáveis que afetam a pandemia. O ônibus é apenas uma delas, dentro de um cenário em que o risco é cumulativo. Isso quer dizer que se você vai a um determinado local, tem um risco, se pega um ônibus, o risco aumenta um pouco mais, e assim por diante. É muito difícil isolar o risco de cada fator especificamente — diz Ferreira.
Em tese, ônibus costumam ser apontados por especialistas como fonte de perigo por reunirem pessoas em um ambiente parcialmente fechado.
— Não é uma relação de causa e efeito (entre maior uso do transporte público e crescimento da pandemia). Queremos transmitir um pouco de segurança à população, principalmente aquela cativa do transporte público, de que pode usá-lo com protocolos de segurança e proteção individual — afirma o presidente da NTU, Otávio Cunha.
Conforme o diretor técnico da NTU, André Dantas, medidas como higienização, ventilação e escalonamento de atividades econômicas podem reduzir substancialmente o risco de contágio. Os sistemas de ônibus investigados representam 32,5% do setor no país.