O número de mortes por coronavírus no Brasil poderia ser 14 vezes maior se a vacina contra o bacilo Calmette-Guérin (BCG), que causa a tuberculose, não fosse obrigatória no país. A conclusão é de um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado no início do mês pela revista Science.
O trabalho revelou que taxas mais baixas de infecção e morte se repetem em todos os países onde a vacinação é obrigatória. Foi analisada a taxa diária de infecções em 135 países e de óbitos em 134 ao longo do primeiro mês da pandemia em cada nação.
Em 15 de abril, o número de mortes registrado no Brasil era de 1.736. Mas poderia ter chegado a 24.399 se o país não adotasse a política de vacinação obrigatória na infância, estimam os pesquisadores.
Entre os países que têm a BCG obrigatória estão China, Brasil e França. Algumas nações revisaram a exigência porque a tuberculose deixou de ser ameaça, como Austrália e Espanha. Outras nunca exigiram, como EUA e Itália.
Estudos sugerem que a vacina tem efeitos benéficos na imunidade contra muitas infecções pulmonares, o que a tornaria candidata importante na prevenção da covid-19. Os cientistas ressaltam, porém, que ainda é necessária pesquisa mais ampla.
Shinobu Kitayama, principal autor do estudo, "o Brasil está com um problema horrível, mas poderia ser pior". Confira a entrevista:
Por que vocês resolveram estudar a eficácia da vacina BCG na prevenção contra a covid-19?
Vários estudos no passado já indicavam que a proteção oferecida pela BCG se estendia a outros problemas pulmonares, além da tuberculose, como o câncer de pulmão. A covid-19, essencialmente, causa problemas no pulmão. Seria uma candidata a ser examinada neste contexto.
O senhor recomendaria vacinação em massa com a BCG como forma de reduzir a gravidade dos casos de covid-19 e sua letalidade, enquanto um imunizante específico não for descoberto?
No sentido de ser recomendada a vacinação nos próximos meses? Não. Nós não sabemos se a vacina é eficaz em adultos, é uma vacina tipicamente dada a crianças. Ela poderia até aumentar temporariamente a vulnerabilidade à covid-19, nós não sabemos. Seria uma conclusão muito prematura tomar essa decisão sem nenhum teste clínico. Mas acho que, a longo prazo, recomendaria aos países que ainda não têm o sistema de vacinação obrigatória na infância que começassem a fazer isso. Eu acredito que essa seja uma boa estratégia para o futuro.
O Brasil está enfrentando uma epidemia muito grave de covid-19, a despeito de ter vacinação obrigatória de BCG na infância. Como o senhor explica isso?
Sim, vocês estão com um problema horrível, a despeito de tomarem a BCG. Mas poderia ser bastante pior. Essa vacina diminui a probabilidade de infecção, a gravidade dos sintomas da doença e também a letalidade no futuro. Mas não adianta pensar que, porque você tomou, não precisa se preocupar. Não é uma proteção completa.