Entre os profissionais da saúde há o temor de que, com a disseminação do novo coronavírus no Estado, a quantidade de respiradores pulmonares seja insuficiente para atender os contaminados. Esses aparelhos são essenciais para a manutenção da vida de pacientes com quadros graves da covid-19. Na Itália, a escassez tem obrigado médicos a escolherem quem deve usá-los, praticamente, sentenciado à morte dos demais. Os preteridos têm sido os mais velhos, porque suas chances de sobrevivência são, em tese, menores.
O Rio Grande tem 3.485 respiradores em hospitais públicos e privados, conforme o Data SUS, plataforma do Ministério da Saúde. A maioria em Porto Alegre (1.211), Caxias do Sul (267) e Passo Fundo (174). O número é considerado razoável pelo coordenador da Comissão Científica de Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Eduardo Leite, dada a realidade do país. Se vai faltar ou não, julga ser cedo para avaliar:
— Tem de ver quantos infectados teremos e se as medidas de controle da pandemia terão tido efeito para reduzir a contaminação. Se tivermos sucesso, talvez não haja picos como na Itália e consigamos esparramar mais a curva. Talvez nem esgote a capacidade. Receio que falte há, mas é difícil prever — pontua.
A Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS, a pedido da Secretaria Estadual da Saúde, levantou com seus 260 associados quantos respiradores novos seriam necessários para enfrentar o coronavírus. Os 91 que responderam pediram, juntos, 478 aparelhos.
— Algumas comunidades estão doando para os hospitais. Empresários também têm feito doações de respiradores. Para se precaver, muitos pequenos hospitais estão colocando respiradores mesmo sem ter UTI. Então, estamos nos preparando embora não saibamos o tamanho da necessidade — explicou o presidente da entidade, André Lagemann.
Com população estimada de 11,3 milhões de pessoas, o Rio Grande do Sul conta com 3,2 mil leitos de UTI públicos e privados — 1.630 para adultos. Os respiradores, em caráter emergencial, podem ser utilizados fora destas unidades desde que observada uma medida indispensável.
— Não é o ideal, mas, em tempo de pandemia, não havendo alternativa, é possível aproveitá-los em hospitais de campanha ou em enfermarias improvisadas, por exemplo. Só que vai precisar de alguém sempre monitorando de perto — observa Leite.
Presidente do Conselho de Secretários de Saúde do RS, Diego Espíndola mostra-se apreensivo com possibilidade de os municípios não conseguirem atender a demanda de pacientes e baseia sua inquietação na amostragem do dia a dia, antes da pandemia chegar ao Estado.
— Em algumas cidades, sem a covid-19, já havia falta de aparelhos. Imagina como vai ser nos meses seguintes se as medidas de prevenção falharem — projeta.
A preocupação dele vai além do aparelho: teme que, no auge da crise sanitária, falte também profissionais capacitados para manusear os equipamentos. Diferentemente de outras epidemias, a covid-19 exige em média 15 dias de entubação, às vezes até mais de 20 dias. Na H1N1, era sete. Isso aumenta a necessidade de profissionais e eleva o risco do colapso o sistema de saúde.
— A nossa recomendação é que os municípios organizem seus planos de contingenciamento sempre olhando para a capacidade da sua região de saúde — complementa Espíndola, que atua como secretário de Saúde de Piratini.
Alternativas
Uma das alternativas que os hospitais estão buscando para contornar a possível escassez de respiradores é adaptá-los para atender até quatro pessoas simultaneamente, em caso de extrema necessidade. O aumento da capacidade tem como base um estudo feito pela Universidade de Michigan, em 2006, com foco na antecipação da necessidade de assistência médica a um grande número de vítimas após eventos como o 11 de setembro de 2001 e já está sendo colocado em prática em algumas cidades, como Canoas, na Região Metropolitana.
— É uma opção que está ganhando espaço nessa situação emergencial para, ao menos, afastar o risco de vida e dar tempo ao paciente. O meu medo é uma das pessoas ter infecção bacteriana e soltar pela respiração. É possível que transmita para outro paciente. Claro, tem como tomar alguns cuidados, como implantação de filtros, mas sempre haverá o risco — avalia o pneumologista intensivista Eduardo Leite, da SBPT.
Ele cita também a corrida das universidades para criarem respiradores de baixo custo, como já anunciou a Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, do Rio.
— Vejo com bons olhos. Só acho que precisa haver agilidade para que o produto percorra todos os passos de segurança e, assim, evitarmos um prejuízo ainda maior com funcionamento inadequado — conclui.
Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde não se manifestou sobre a possibilidade de faltar respiradores no RS.
Para que servem os respiradores
Ajudam o corpo a fazer a troca gasosa, ou seja, levar oxigênio ao pulmão e forçá-lo a eliminar gás carbônico. O vírus faz com que se acumule infecção nos alvéolos, no lugar de ar, causando insuficiência respiratória. Diante da inexistência de vacina, a melhor opção para os casos graves é o uso de respiradores para prolongar a vida dos pacientes e lhes dar tempo para recuperação. É preciso usá-lo somente nos casos muito graves, de pessoas que estão internados nas UTIs, com risco altíssimo de morte.
A estimativa da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia é de que o Brasil necessitará, nas próximas semanas, de mais de 20 mil ventiladores pulmonares mecânicos (incremento de 31%) para atender pessoas que chegarão aos hospitais. Hoje, o país tem 65.411.
Coordenador da Comissão Científica de Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Eduardo Leite, disse que cada respirador custa de R$ 60 a R$ 150 mil. Fernando Silveira Filho, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), não citou cifras, mas explicou que a variação de preço está atrelada à carga tecnológica implantada.