Os indivíduos de um estudo em larga escala se mostraram sempre magros, e não porque tivessem um metabolismo incomum. Eles simplesmente não se importavam muito com comida.
Nunca comiam enormes quantidades e nem se preocupavam com a próxima refeição. Agora, um grupo de pesquisadores no Reino Unido pode ter descoberto o motivo. Essas pessoas carregam uma alteração genética que silencia a fome. Além disso, reduz as possibilidades de desenvolver diabetes ou doenças cardíacas.
O estudo, publicado recentemente no periódico Cell, usou o U. K. Biobank, que contém dados de meio milhão de pessoas com idades entre 40 e 69 anos. Os participantes forneceram amostras de DNA e registros médicos, e permitiram que os pesquisadores rastreassem sua saúde por alguns anos.
Um segundo estudo na mesma revista também utilizou dados dessa população para desenvolver uma pontuação de risco genético para a obesidade. Ela pode ajudar a prever, desde a infância, quem tem um alto risco de obesidade e quem não tem.
Juntos, os estudos confirmam uma verdade que os pesquisadores gostariam que mais pessoas entendessem. Há razões biológicas que fazem alguns lutarem arduamente com o seu peso e outros não, e os impactos biológicos muitas vezes são vistos no apetite, não no metabolismo. Pessoas que ganham muito peso ou que lutam para ficar magras sentem mais fome do que as pessoas naturalmente magras.
O estudo da mutação que diminui o apetite foi conduzido por Sadaf Farooqi, professora de metabolismo e de medicina na Universidade de Cambridge, e Nick Wareham, epidemiologista da mesma instituição.
O estudo baseou-se na pesquisa de Farooqi em um gene, o MC4R. Ela se dedica a ele há 20 anos, mas pela razão oposta: para entender por que algumas pessoas estão com sobrepeso, não porque outras são magras.
As pessoas com mutações do MC4R tendem a ser obesas. Os pesquisadores já encontraram cerca de 300 mutações nesse gene, e elas são a causa mais comum de obesidade ligada a um único gene. As mutações respondem por 6% das crianças severamente obesas.
Elas prejudicam a saciedade, a sensação de plenitude depois de uma refeição, descobriram Farooqi e seus colegas. Normalmente, quando as pessoas fazem uma refeição, o gene é ativado e envia um sinal de saciedade. Então ele se desliga. Algumas pessoas, porém, apresentam uma mutação rara no MC4R que o impede de trabalhar.
Como resultado, não há o sinal de saciedade. Essas pessoas sempre sentem fome e muitas vezes apresentam sobrepeso. Seu risco de diabetes e de doenças cardíacas é 50% maior do que aqueles sem a mutação.
No novo estudo, Farooqi e seus colegas descobriram que, em algumas pessoas magras, o gene MC4R está sempre ligado, em vez de sempre desligado, por causa de diferentes mutações envolvendo uma via metabólica previamente desconhecida.
Essas pessoas se sentem continuamente saciadas. Cerca de 6% da população apresentam essas mutações protetoras.
— Isso prova que o MC4R é um controlador de peso importante, se não o mais importante — disse Farooqi.
E o novo caminho oferece um alvo óbvio para os medicamentos que protegem contra a obesidade. Cada vez mais, os pesquisadores descobrem que o apetite e a saciedade determinam quem ganha peso e quem não, observou Cecilia Lindgren, professora de endocrinologia genômica e metabolismo da Universidade de Oxford:
— Acreditamos que a regulação da fome e da saciedade é a chave. Há comida por todos os lados. Se você está com um pouco de fome e alguém serve uma travessa de donuts em sua reunião, quem vai pegá-los?
No outro estudo dos dados do U. K. Biobank, o cardiologista Amit V. Khera, do Hospital Geral de Massachusetts, e seus colegas procuraram uma maneira de prever, a partir de uma enorme coleção de pequenas variações no DNA, quem está destinado a ser gordo ou a lutar contra o peso e quem seria poupado desse problema.
Os cientistas montaram uma pontuação de risco de obesidade baseada em alterações do DNA em 2 milhões de pontos no genoma. As pessoas com as maiores pontuações pesavam em média 13,5 quilos a mais do que aquelas com as menores pontuações. Entre os muito obesos, 60% tinham uma pontuação alta.
— Ficamos chocados com a diferença — disse Sekar Kathiresan, coautor do trabalho e geneticista do Instituto Broad, em Boston.
Mas a população do U. K. Biobank é formada apenas por adultos.
— Queríamos saber quando isso começa — disse Kathiresan.
Os pesquisadores buscaram dados adicionais, confirmando seus achados em 300 mil participantes de outros estudos genéticos. No nascimento, os bebês com contagens elevadas pesaram o mesmo que bebês com contagens baixas, descobriram os cientistas.
Porém, aos três anos e meio, eram claramente mais pesados na média do que outros da mesma idade. Aos oito anos, as crianças eram frequentemente obesas, e, no fim da adolescência, pesavam cerca de 13,5 quilos a mais do que aquelas com pontuação de baixo risco.
— Ter uma pontuação alta não é determinístico. Isso não significa que você está condenado só porque está no percentil superior. Mas uma pontuação alta indica que o controle de peso pode ser uma luta — ressalta Kathiresan.
Joel Hirschhorn, geneticista do Hospital Pediátrico de Boston, observou que a maioria dos pontos no genoma que compõem a pontuação de risco não tem nada a ver com o peso. Ainda não está claro o que é mais importante.
O fato de que a obesidade realmente não parece firmemente definida até que as crianças tenham oito anos chamou sua atenção:
— Esses oito anos podem ser mágicos e podem garantir uma oportunidade única para fazer a diferença.
Isso pode não ser fácil, observou Ruth Loos, diretora do programa de obesidade genética na Escola de Medicina Icahn, no Mount Sinai. Crianças que estão sempre com fome encontram maneiras de conseguir mais comida.
— Em um ambiente como o nosso, há muita sedução — disse ela.
Alimentos saborosos e calóricos estão disponíveis por toda parte. Aqueles com alto risco de obesidade "podem ser mais facilmente seduzidos", lembra Ruth.
Mas as pontuações de risco também podem revelar estratégias que talvez funcionem, disse Lee M. Kaplan, diretor do Instituto de Obesidade, Metabolismo e Nutrição do Hospital Geral de Massachusetts. Entre os 10% da população com as maiores pontuações de risco, muitos não são gordos. Por quê? Será que existem genes ainda não descobertos que combatem aqueles que fazem as pessoas comerem demais? Ou será que essas pessoas têm boas estratégias para lidar com a fome e controlar a alimentação?
— O fato é que isso gera inúmeras perguntas que podem ser feitas e às quais se pode responder — afirmou Kaplan.
Por Gina Kolata