A falta de pagamentos desde maio por parte de uma empresa terceirizada da Secretaria Estadual da Saúde, a FA Recursos Humanos, prejudica a operação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no Rio Grande do Sul. Telefonistas e rádio-operadores que trabalham na central responsável pelo auxílio da população de 267 dos 497 municípios gaúchos iniciaram, na segunda-feira (13), uma greve por conta dos atrasos nos salários.
Como o serviço é integrado, com a participação de telefonistas, médicos e rádio-operadores na mesma equipe, a falta de uma dessas categorias dificulta o acionamento de ambulâncias e o encaminhamento dos pacientes a hospitais. Os médicos e enfermeiros que atuam na central de atendimento do Samu e fazem parte do quadro da Secretaria da Saúde não estão paralisados. Também as equipes que operam as ambulâncias — incluindo motoristas — e são vinculadas aos municípios seguem trabalhando.
Na noite de segunda-feira (13), o serviço foi completamente suspenso no prédio que fica no pátio do Hospital Sanatório Partenon, em Porto Alegre, local onde é feita a triagem dos casos que serão atendidos pelas equipes nos 267 municípios. Não houve impacto na Capital, em Caxias do Sul, Bagé e Pelotas, que têm regulação municipal (Caxias também atende Vacaria). Nas demais 225 cidades gaúchas, os atendimentos de emergência são feitos por meio de convênios com municípios vizinhos.
Nesta terça-feira (14), o Samu trabalha com 60% da capacidade, segundo a Secretaria Estadual da Saúde. A informação da pasta é de que o tempo de atendimento interno, que não considera a chegada de uma ambulância, está estimado em 18 minutos. Em dias com operação total, a média seria de 12 minutos.
A atenção dispensada a cada caso começa com o telefonista, que avalia as informações passadas por quem fez a ligação e filtra os trotes e ocorrências que não são de responsabilidade do Samu. Dependendo da gravidade da situação, o profissional aciona um enfermeiro ou médico, que passa as primeiras orientações à vítima e determina se uma equipe precisa ser acionada para ir até o local.
A logística envolvendo as ambulâncias fica a cargo de um rádio-operador, que identifica os veículos disponíveis e decide qual deve ir até o paciente. Com a paralisação de telefonistas e rádio-operadores, toda a cadeia de atendimento ficou prejudicada.
Por que os salários estão atrasados?
A posição da Secretaria da Saúde é de que a empresa terceirizada não estaria repassando os salários aos funcionários. A pasta diz que a única parcela que não foi depositada à FA Recursos Humanos foi a de julho, porque a empresa não entregou comprovante de pagamento aos empregados referente a maio. Segundo o secretário adjunto da Saúde do Estado, Francisco Bernd, a FA está com contas bloqueadas na Justiça e, por isso, não consegue pagar os salários.
— O Estado mantém os pagamentos em dia, mas a empresa não consegue honrar os compromissos. Nesse caso específico, ela está com dois depósitos judiciais de até R$ 1 milhão. Então, todos os depósitos feitos a essa empresa ficam retidos, por questões judiciais, dívidas trabalhistas e assim por diante. Esse é um problema sério — relata o secretário adjunto.
Segundo Bernd, a secretaria já notificou duas vezes a terceirizada e cobrou multa. Agora, a pasta pensa em romper o contrato com a empresa — que também tem outros dois acordos com a Saúde. Diante da situação, a pasta definiu, na tarde desta terça-feira (14), pagar diretamente os servidores terceirizados do Samu, em procedimento autorizado pela Procuradoria-Geral do Estado. A secretaria não informou, no entanto, desde quando sabe dos problemas na empresa e por que não propôs uma solução antes da paralisação.
Posição da empresa
Não é a primeira vez que a FA Recursos Humanos deixa de pagar os funcionários terceirizados de órgãos públicos. Em setembro do ano passado, serviços de limpeza e cozinha dos Centros de Referência em Assistência Social, casas de passagem, centros de convivência e abrigos de Caxias do Sul ficaram prejudicados por conta de uma greve de funcionários da mesma empresa. No Facebook, postagens de funcionários denunciam o que seria um desleixo da FA Recursos Humanos com o pagamento de salários.
Procurada, a FA se manifestou por e-mail: "Em esclarecimento às notícias veiculadas nesta data, a empresa FA Recursos Humanos Ltda. informa que os pagamentos de todos os seus funcionários restou comprometido em virtude de bloqueios judiciais, determinados em caráter liminar (antes do transito em julgado), especialmente o arresto deferido pela 5ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, nos autos do processo nº 0020646-17.2018.5.04.0405, no valor de R$ 1.042.000,00, onde a empresa buscou, e continua tentando reverter tais constrições, uma vez que a manutenção destes sequestros inviabilizará a continuidade do empreendimento".
Qual a solução encontrada pelo Estado?
Dois servidores da Secretaria Municipal de Porto Alegre foram cedidos ao Estado para atuar de maneira emergencial no atendimento do Samu. Pouco antes das 8h desta terça-feira, GaúchaZH esteve na central estadual do Samu e verificou que somente os dois funcionários do município faziam os atendimentos para toda a rede. A maioria dos guichês estava vazia.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, Bernd disse que cerca de 15 servidores concursados recebiam treinamento pela manhã para que pudessem operar no lugar dos funcionários da empresa terceirizada durante a tarde de terça.
Ainda resta um impasse quanto aos operadores de rádio, responsáveis pelo contato entre ambulâncias. Para a secretaria, não há como remanejar servidores para essa função, que exige mais conhecimento técnico. A pasta decidiu pagar diretamente os terceirizados do Samu, em procedimento autorizado pela PGE.
Quais as alternativas para a população?
A Secretaria da Saúde afirma que a população pode seguir usando o 192 para emergências, mesmo com demora no atendimento. Já a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) orienta que a população, em caso de emergência, faça contato com Brigada Militar (190) ou Bombeiros (193), que teriam acesso ao sistema do Samu e poderiam acionar o serviço de socorro.
O major Euclides Neto, chefe do setor de comunicação da Brigada Militar, confirmou que a corporação tem como acionar o Samu e que, na presente situação, estará à disposição para auxiliar a população, mas alertou que os atendentes do 190 não têm a capacitação técnica específica para avaliar a gravidade dos casos ou para decidir quais são os mais graves.
— Deixar de ajudar, jamais. Se uma pessoa ligar, a BM vai continuar fazendo o que sempre fez. Mas é temerário. Dependendo do caso, precisa ter cautela. Não somos capacitados tecnicamente para isso — observou o major.