
Desde que começou a estudar o instrumento, em 2019, Mariana Bento Alves nunca teve um violino para chamar de seu. Os três que usou até hoje foram emprestados dos projetos sociais de que fez parte ou de sua professora.
Agora, a jovem de 20 anos criou uma vaquinha para comprar um violino e seguir o sonho de cursar bacharelado em Música. A meta de arrecadação é de R$ 15 mil, dos quais mais de R$ 7 mil já haviam sido obtidos até a manhã desta quinta-feira (20).
— Ao longo da nossa evolução, precisamos de instrumentos que nos acompanhem, mas instrumentos de corda são muito caros — lamenta a musicista. — Gostaria de tentar algo fora do Estado, mas me sinto limitada pelo fato de o instrumento não ser meu.
O recurso arrecadado servirá para adquirir um violino que possa acompanhá-la por uma futura graduação e adiante.
Poder de transformação
A história de moradora da Lomba do Pinheiro, na zona leste da Capital, é um exemplo do poder de transformação dos projetos sociais. O início de seus estudos foi na Orquestra São Francisco, uma parceria do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA) com a Orquestra Villa-Lobos.
Aos 14 anos, ela passava por problemas familiares e estava com um quadro depressivo. Sua mãe, Lisiane Bento Alves, sugeriu que buscasse um hobby ou uma atividade que pudesse ajudá-la.
— Falei para minha mãe que tinha vontade de aprender violino. Só que isso era uma coisa distante, que eu queria quando criança e até tinha esquecido. Na mesma semana, ela conversou com a coordenadora e soube que as inscrições estavam abertas — conta.
Um meio ainda elitizado
Segundo Mariana, o primeiro ano de aulas foi suficiente para transformar sua vida:
— Hoje em dia, quando penso naquela menina de 14 anos, em um momento depressivo, não me reconheço. Não são mais os meus pensamentos. Fico me perguntando como pude viver tanto tempo sem tocar um instrumento.
Criada pela mãe, que trabalha como auxiliar de farmácia em um hospital, ela enfatiza o papel que projetos sociais têm nas periferias.
— A música clássica é muito elitizada. Eu nunca havia ido a um teatro. Para mim, ir a um concerto ou a uma peça era caro. E ainda é. Mas existem alternativas, e esses projetos sociais oferecem uma oportunidade de conhecer isso — diz Mariana.
Mais do que um hobby
Mariana se deu conta de que tinha descoberto uma nova oportunidade de vida no concerto de fim de ano da Orquestra São Francisco, em 2019. Os iniciantes em seus instrumentos foram convidados para tocar duas pequenas peças.
— Eu estava tocando quatro notas, mas estava nas nuvens. Tive certeza de que queria me empenhar mais no próximo ano — relembra.
O plano, porém, precisou ser adiado. Com a pandemia de covid-19, a jovem parou de estudar música. Ficou um ano e meio com o violino guardado no estojo e a paixão adormecida.
Apenas em 2021 ela retomou o caminho dos sons e partituras. Entrou em contato com a antiga coordenadora do projeto em que teve aulas de instrumento, Keliezy Severo, e recebeu um convite para participar de outra iniciativa social: a Orquestra Jovem do Theatro São Pedro (OJTSP). Desde então, ela relata, sua vida mudou:
— Entrar na Orquestra Jovem foi muito diferente. Começou a ser algo maior do que só um hobby. Eu tinha mais aulas e passei a me dedicar muito mais.
Hoje, Mariana cursa História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mas seu sonho é entrar no bacharelado em violino da instituição e seguir carreira artística.
Referências de músicos negros
Além de se inserir em um meio que via como "elitizado", o da música clássica, Mariana destaca o fato de ser uma mulher negra buscando seu espaço em um ambiente majoritariamente branco e masculino.
— Temos pessoas pretas na música clássica, mas é muito pouco —pontua.
A estudante se esforça para buscar referências negras. Ela cita os violinistas Nathan Amaral e Tais Soares, do sudeste do país. A mais importante para ela, contudo, é daqui:
— A minha referência maior é a professora Keli (Keliezy Severo), que veio do mesmo bairro que eu, também começou em um projeto social e hoje está finalizando o mestrado em flauta doce na UFRGS. Não tem pessoa que mais inspire aqui no Estado do que a Keli.
Como doar
Para ajudar Mariana a comprar o violino, acesse a vaquinha.
*Produção: Guilherme Freling