
Pela primeira vez desde a enchente histórica que escancarou falhas no sistema de segurança contra cheias no bairro Sarandi, em Porto Alegre, moradores, prefeitura e Justiça estiveram frente a frente para buscar uma solução. Famílias moradoras da Rua Aderbal Rocha Fraga que resistem à mudança viraram rés em uma ação movida pela prefeitura.
Nesta segunda-feira (31), a Justiça realizou a primeira audiência de mediação. Desde o início, não havia a expectativa de uma decisão imposta pela Justiça, mas sim de ouvir as partes e identificar possíveis concessões que levem a uma solução negociada.
Coube à magistrada Josiane Estivalet, da Comissão Regional de Soluções Fundiárias, presidir a sessão. Segundo ela, o desafio referente ao reassentamento das famílias sob tais condições é inédito na experiência do núcleo judicial.
Segundo Josiane, a Comissão de Soluções Fundiárias atua em todo o Rio Grande do Sul e, normalmente, com grandes parcelas da população. O que distingue este problema dos demais, explica a juíza, é a urgência:
— A urgência torna essa negociação algo inédito. Mas vamos nos debruçar sobre isso com o maior cuidado possível porque temos uma preocupação muito grande com as pessoas que lá residem e que lá fizeram a sua história, e também a preocupação com a realização da obra que poderá beneficiar toda a população de Porto Alegre — explicou a magistrada.
Famílias rés
Ao todo, 25 famílias são rés na ação que pede a reintegração da área lindeira ao dique que protege 26 mil pessoas no Sarandi. São casas construídas durante quatro décadas, com a anuência do poder público, ao longo da história de Porto Alegre. Porém, o rompimento do dique na enchente de maio de 2024 tornou obrigatória a remoção de parte dos moradores para recompor e aumentar a altura da estrutura.
Um total de 57 imóveis precisa ser removido para a primeira etapa das obras. Porém, moradores alegam demora em obter respostas da Caixa Econômica Federal. O banco é o financiador da principal política habitacional pós-enchente no Estado, através do Compra Assistida. Como a Caixa não é parte da ação judicial, ela não participou da audiência. Mas foi a mais citada.
Da parte da prefeitura, foram designados representantes do Departamento Municipal de Habitação (Dehmab) e Procuradoria-Geral do Município. A gestão municipal também destaca a rigidez de regras impostas pela governo federal, mas salienta:
— Muitas famílias não buscaram o atendimento que a gente preparou no local porque, entre outros motivos, podem querer não sair de lá. São estratégias. Mas a maioria delas a gente tem contato, tem conversado e tem algumas das famílias, que inclusive estão dentro da ação judicial, que já encontraram o seu imóvel — afirma André Machado, diretor-geral do Dehmab.
Dificuldades com programa do governo
Além da Justiça estadual, participaram da audiência de mediação representantes do Ministério Público e Defensoria Pública do Estado.
Todos ouviram dos moradores presentes argumentos como: demora por parte da Caixa na avaliação dos imóveis escolhidos para se mudarem, poucas opções no próprio bairro Sarandi, dificuldade na relação com corretores de imóveis (que estariam evitando atender clientes do programa Compra Assistida), imóveis inadequados às necessidades de pessoas com deficiência, impossibilidade de o morador, por iniciativa própria, completar valores acima de R$ 200 mil (a Caixa dá uma casa nova até esse montante), entre outros.
A audiência de mediação teve o seu término abreviado em razão do temporal que caiu sobre Porto Alegre. Houve quedas de energia no prédio 2 do Foro Central, o que obrigou os participantes a descerem 23 andares por questões de segurança. Porém, ficou marcada uma visita técnica da Justiça e outros entes ao dique do Sarandi. A visita será feita na próxima segunda-feira (7), à tarde.